Mário Soares não merecia isto

Santos Silva, ao fim destes anos todos, parece viver num tempo do qual os portugueses já se despediram há muito.

Não será surpresa para ninguém: o PS de António Costa nunca foi o PS de Soares. E, à partida, não há nada de mal nisso. Os partidos não são movimentos estanques. Ao mesmo tempo, não são couto de um homem só.

No entanto, tudo isto não significa que não haja mínimos a cumprir.

E o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, não cumpriu mínimos que dignifiquem a nossa história e, mesmo não ocupando aquele lugar para representar o PS e os seus interesses mais egoísticos (pese embora muitas vezes pareça que se esquece disso), não cumpriu os mínimos que acautelem a dignidade do legado histórico que o seu partido felizmente carrega.

Santos Silva não quer que o 25 de Novembro seja comemorado no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, na AR, uma vez que, segundo o mesmo e em singelo, não existe consenso relativamente à comemoração da data.

E é uma pena que assim seja.

É uma pena que o 25 de Novembro não seja recordado e devidamente enquadrado nas comemorações, que são, sobretudo, um momento importantíssimo para que relembremos, enquanto nação, a importância da democracia – da verdadeira democracia; é uma pena que Santos Silva contribua para um artificial estreitar da história; é uma pena que Santos Silva use um argumento tão absurdo como este para justificar uma opção desta gravidade; e é, por fim, uma pena que Santos Silva cheire a medo – o medo de chatear os seus antigos(?) parceiros da extrema-esquerda.

Ao mesmo tempo, com isto, Augusto Santos Silva demonstra um despreocupado desrespeito pela história e pelo legado do próprio PS e de Mário Soares.

Soares foi, a par de Sá Carneiro e de Freitas do Amaral, durante o PREC – que o 25 de Novembro findou –, principal figura no combate aos projetos totalitários do PCP e da extrema-esquerda. E o celebrar do 25 de novembro é sempre uma excelente oportunidade para relembrarmos que estes homens – e, com eles, os milhões que os seguiram – quiseram e lutaram por uma verdadeira democracia para Portugal: aquela que interessa e que merece ser celebrada. Mas que, pelos vistos, para Santos Silva, pode ser relegada ao esquecimento.

Mas Santos Silva não é o único a deixar-se enredar, até com algum prazer, no dúbio argumento do consenso. Ou, melhor dizendo, do consenso que convém à extrema-esquerda.

Ainda esta semana um jornal diário português, partilhava notícia sobre o facto de a Assembleia da República ter decidido iluminar o palácio de São Bento com as cores de Israel. Como legenda da mesma, acrescentou: «[F]achada do Parlamento com cores de Israel só teve voto a favor do PS, PSD, Chega e IL» (itálico nosso).

‘Só’. Mas não foi assim. Foram 217 deputados dos 230 que votaram a favor da iniciativa. E que representam 95% do total de deputados com lugar na AR, que é o mesmo que dizer que a iniciativa teve a concordância e o voto da esmagadora maioria da AR.

Assim como este jornal, Santos Silva, ao fim destes anos todos, parece viver antes num tempo do qual os portugueses já se despediram há muito. O tempo em que uma elite de esquerda controlava a ideia de que o país a suportava. A ela e às suas ideias. Aos seus fantasmas e aos seus grandes defeitos. Num tempo que já lá vai, mas que alguns teimam em querer que permaneça, seja através da desinformação, seja através da argumentação mais do que dúbia – irracional. l

Advogado, Vereador do Urbanismo e Inovaçãda C.M. Braga