Aumento do IUC e abate. “Não focam em nada o ambiente. Focam a carteira dos contribuintes”

O aumento IUC e o incentivo ao abate fazem parte da proposta de Orçamento de Estado para 2024. No entanto, nem todos parecem estar de acordo com estas medidas. Falámos com duas cidadãs que têm carros com matrículas anteriores a 2007.

O Governo prevê aumentar o Imposto Único de Circulação (IUC) para carros que foram matriculados antes de 2007, sob o argumento de que esses veículos são mais poluentes. O objetivo é incentivar os proprietários a abandonarem carros mais antigos. O aumento do IUC será progressivo nos próximos anos, até que a taxa do imposto represente a tributação total das emissões de CO2 desses veículos. Além disso, o IUC de todos os proprietários de carros aumentará de acordo com a taxa de inflação, independentemente do ano de matrícula.

O agravamento do IUC afetará cerca de três milhões de carros ligeiros e meio milhão de motociclos. O aumento máximo será de 25 euros em 2024, mas esse valor irá agravar-se nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, o Governo pretende implementar um programa de incentivo para a retirada de veículos antigos de circulação. O objetivo é apoiar a substituição de 45 mil veículos matriculados antes de 2007. As trocas podem ser feitas por carros com motores de combustão interna de baixas emissões. Essas medidas fazem parte da proposta de Orçamento do Estado para 2024, apresentada pelo Governo no Parlamento, e visam reduzir a poluição e promover a renovação da frota automóvel.

“​O veículo ligeiro abatido terá como incentivo um valor pecuniário a atribuir pelo Fundo Ambiental, contra a aquisição de um veículo novo ou usado com zero emissões (até quatro anos), de veículo novo a combustão interna com emissões reduzidas, de bicicletas de carga, ou tome a opção de depósito em Cartão da Mobilidade (para aquisição de serviços de transporte público e mobilidade partilhada)”, lê-se no relatório pelo qual se faz acompanhar a proposta de OE2024. Os destinatários do programa serão “todos os proprietários de veículo ligeiros de passageiros e comerciais ligeiros em fim de vida, matriculados até 2007”.

“Eu tenho dois carros, um de 1986 e um de 1995. Estão os dois bem mantidos, são económicos e não são assim grandes emissores de CO2. São os dois carros de família e com História. Vou ficar a pagar cerca de 140 euros de selo quando pagava 35 euros. Quanto mais se incentiva ao abate mais se perde os princípios da reciclagem. E perde-se sacrifício, História e valor”, explica Ariana Neves. “Houve sacrifício para comprar cada carro. No meu caso, estão em melhor estado que muitos carros novos. E não tenho, mesmo que quisesse, verbas para comprar um novo. Sem falar no valor emocional que têm. Estas medidas são enganadoras, feitas por interesses financeiros e não focam em nada o ambiente. Focam a carteira dos contribuintes”, conclui.

Quem concorda com Ariana é Sandra Carvalho. “Tenho um carro de 1996. O IUC vai subir de 43 para 156 euros, segundo a simulação que fiz. Parece-me indecente esta forma de usurpação de bens próprios, este controlo desmesurado sobre a propriedade alheia, esta intrusão e manipulação da vida privada do cidadão comum, principalmente num país onde as condições de vida são das piores da UE. Não há poder de compra, há uma luta diária pela sobrevivência e o governo português quer que o Zé Povinho compre carros novos”, afirma. “Importa avisar o governo português que o Zé Povinho não tem dinheiro para casa ou comida, muito menos tem para carros novos”.

“Aliás, quanto mais se compra carros novos e se desfaz dos velhos, maior a quantidade de monos e maior a produção fabril que, parece-me, não deve poluir menos que os carros anteriores a 2007. Nunca desconsiderando o ambiente, de extrema importância para todos, considero esta medida insultuosa para o comum português que labuta diariamente para sobreviver num país cada vez mais pequenino, à beira-mar plantado. E questiono: serão estas medidas ambientais ou económicas? Até onde vai a demagogia política nesta dicotomia que parece não ter solução à vista? Vale a pena pensar no que vai, realmente, atuar esta medida: no ambiente ou nos cofres do estado? Porque, quem tem um carro de 1996 não vai deixar de o ter, até porque o mais natural é não ter dinheiro para um carro recente. Este carro de 1996 vai continuar a circular e a poluir com os 152g/km de CO2, porque, além de não haver outra solução, pode continuar a circular”, finaliza.

Muitas pessoas parecem pensar como Ariana e Sandra e, por isso, esta segunda-feira, a petição pública contra o aumento do IUC dos carros anteriores a 2007 já contava com aproximadamente 120 mil assinaturas, recordando que a “maioria dos proprietários” dos veículos mais antigos são pessoas “economicamente mais vulneráveis”.

A Associação Automóvel de Portugal (ACAP) já reagiu e apontou que “o Governo vem agora alargar a componente ambiental daqueles veículos, assim como a motociclos”, indicando que “esta medida levará a agravamento do imposto daqueles veículos, mas o Governo cria uma norma travão, em 2024, estabelecendo que o aumento não poderá exceder os 25 euros”. “Como é público, há vários anos que a ACAP tem defendido a implementação de um programa de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, porque o nosso parque automóvel está envelhecido e esta é a única forma de fomentar a descarbonização do nosso setor […]. Deste modo, é positivo que no relatório do orçamento se faça referência à criação deste programa, com uma dotação orçamental de 129 milhões de euros”, disse ainda em resposta à agência Lusa.