Forças desarmadas em tempo de guerra

Com o mundo à beira de uma Terceira Grande Guerra, o Orçamento de Estado para 2024 continua a fazer de conta que as nossas Forças Armadas não precisam de investimento. É um erro grave. Mas a Defesa não dá votos nem Helena Carreiras tem peso político que se veja.

Dá dó assistir às nossas paradas militares, que mais parecem aqueles cortejos de carros clássicos que já só servem para mostrar aos amigos – sim, é melhor que os inimigos nem saibam o que (não) temos. Porque não temos nada.

Como faz impressão visitar Tancos ou Santa Margarida e a maioria das instalações de qualquer um dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, de norte a sul do país, quase votadas ao abandono, tão pouca a atividade e tanta a falta de gente.

Há poucas décadas, era ver os mancebos na instrução, havia praças com fartura, a carreira militar era uma opção mesmo para jovens com boas alternativas e não faltavam oficiais nem efetivos para os justificar.

O fim do serviço militar obrigatório, mas sobretudo anos demais de desinvestimento quase total nas Forças Armadas e a degradação da condição de militar desertificaram os quartéis e deixaram os três ramos na penúria.

Faltam recursos humanos e materiais. Só sobram oficiais, porque os comandados já não existem.

Chegou-se ao ponto de se admitir a contratação de estrangeiros para as Forças Armadas Portuguesas. Uma ‘contradição nos termos’, como disse Santana Lopes em entrevista ao Nascer do SOL.

Dir-se-ia que atingimos o cúmulo quando vimos as autoridades ucranianas a rejeitarem o material bélico que nos propomos enviar-lhes com o argumento de que são obsoletos ou inúteis.

Ou quando o porta-voz das tropas russas faz questão de assinalar que os três tanques enviados por Portugal para a Ucrânia foram todos abatidos em meia dúzia de semanas.

A nossa Defesa bateu no fundo. Muito fundo.

Terreno fértil para negociatas e grandes negócios, do roubo de armas à corrupção, no hospital militar, nas messes, nas fardas, nas munições, em todo o tipo de equipamento, ou aos documentos secretos da NATO à venda na dark web… é tudo demasiado mau num meio em que só deviam primar os mais nobres valores.

E é num estado lastimoso que se encontram as Forças Armadas Portuguesas numa altura em que o Mundo está à beirinha de uma Terceira Grande Guerra. Sim, podia lá haver pior momento para uma brutal escalada da violência no Médio Oriente do que quando já é mais do que evidente que a guerra na Europa está muito longe de um fim.

Não obstante, e numa altura em que se discute o Orçamento do Estado para 2024, nem o Governo nem a Oposição estão preocupados com isso.

Antes pelo contrário. Aliás, o acento tónico é colocado na «prudência» da proposta do Governo tendo em consideração a imprevisibilidade dos efeitos e consequências das guerras que abalam o mundo – como assinalou o Presidente Marcelo, comandante supremo das Forças Armadas.

E o debate faz-se em torno das questões populares e eleitoralistas, como o aumento do rendimento disponível por via da baixa dos impostos diretos, que logo são compensados pelo aumento dos impostos indiretos, por forma a garantir o aumento das receitas (e da carga fiscal) e, assim, não pôr em causa as contas certas (apontando para um superavit que permita abater na dívida pública).

A quem importa se as Forças Armadas estão em falência de recursos humanos e de equipamento? E se o Orçamento para 2024, uma vez mais, passa completamente ao lado dessa triste realidade?
Tirando aos chefes militares, a mais ninguém.
Aliás, a ministra Helena Carreiras veio dizer que está em marcha a contratação de… praças. Como se fosse o bastante para camuflar todos os problemas.

É o que temos.

Já não se trata sequer de uma questão de soberania – aí, na defesa como em tudo o resto, somos um Estado-membro da União Europeia e da Aliança Atlântica.

Trata-se, desde logo, de uma questão de dignidade. Das Forças Armadas e do Estado, que tem de saber honrar os seus compromissos, tanto para com o seu povo e seus aliados como para com aqueles que dão corpo a tão nobre missão.

Esses, os militares, se não merecem nem podem ser esquecidos em tempos de paz, muito menos podem ficar desarmados em tempos de guerra, como os que correm.

E pena é que os políticos portugueses só se lembrem deles quando as coisas ficam negras – como na pandemia e no processo de vacinação – ou quando se tornam, eles próprios, uma ameaça política – como pode muito bem e a breve trecho vir a ser o caso e, por prevenção, já vão sendo visíveis algumas manobras de bastidores.

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