Dá dó assistir às nossas paradas militares, que mais parecem aqueles cortejos de carros clássicos que já só servem para mostrar aos amigos – sim, é melhor que os inimigos nem saibam o que (não) temos. Porque não temos nada.
Como faz impressão visitar Tancos ou Santa Margarida e a maioria das instalações de qualquer um dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, de norte a sul do país, quase votadas ao abandono, tão pouca a atividade e tanta a falta de gente.
Há poucas décadas, era ver os mancebos na instrução, havia praças com fartura, a carreira militar era uma opção mesmo para jovens com boas alternativas e não faltavam oficiais nem efetivos para os justificar.
O fim do serviço militar obrigatório, mas sobretudo anos demais de desinvestimento quase total nas Forças Armadas e a degradação da condição de militar desertificaram os quartéis e deixaram os três ramos na penúria.
Faltam recursos humanos e materiais. Só sobram oficiais, porque os comandados já não existem.
Chegou-se ao ponto de se admitir a contratação de estrangeiros para as Forças Armadas Portuguesas. Uma ‘contradição nos termos’, como disse Santana Lopes em entrevista ao Nascer do SOL.
Dir-se-ia que atingimos o cúmulo quando vimos as autoridades ucranianas a rejeitarem o material bélico que nos propomos enviar-lhes com o argumento de que são obsoletos ou inúteis.
Ou quando o porta-voz das tropas russas faz questão de assinalar que os três tanques enviados por Portugal para a Ucrânia foram todos abatidos em meia dúzia de semanas.
A nossa Defesa bateu no fundo. Muito fundo.
Terreno fértil para negociatas e grandes negócios, do roubo de armas à corrupção, no hospital militar, nas messes, nas fardas, nas munições, em todo o tipo de equipamento, ou aos documentos secretos da NATO à venda na dark web… é tudo demasiado mau num meio em que só deviam primar os mais nobres valores.
E é num estado lastimoso que se encontram as Forças Armadas Portuguesas numa altura em que o Mundo está à beirinha de uma Terceira Grande Guerra. Sim, podia lá haver pior momento para uma brutal escalada da violência no Médio Oriente do que quando já é mais do que evidente que a guerra na Europa está muito longe de um fim.
Não obstante, e numa altura em que se discute o Orçamento do Estado para 2024, nem o Governo nem a Oposição estão preocupados com isso.
Antes pelo contrário. Aliás, o acento tónico é colocado na «prudência» da proposta do Governo tendo em consideração a imprevisibilidade dos efeitos e consequências das guerras que abalam o mundo – como assinalou o Presidente Marcelo, comandante supremo das Forças Armadas.
E o debate faz-se em torno das questões populares e eleitoralistas, como o aumento do rendimento disponível por via da baixa dos impostos diretos, que logo são compensados pelo aumento dos impostos indiretos, por forma a garantir o aumento das receitas (e da carga fiscal) e, assim, não pôr em causa as contas certas (apontando para um superavit que permita abater na dívida pública).
A quem importa se as Forças Armadas estão em falência de recursos humanos e de equipamento? E se o Orçamento para 2024, uma vez mais, passa completamente ao lado dessa triste realidade?
Tirando aos chefes militares, a mais ninguém.
Aliás, a ministra Helena Carreiras veio dizer que está em marcha a contratação de… praças. Como se fosse o bastante para camuflar todos os problemas.
É o que temos.
Já não se trata sequer de uma questão de soberania – aí, na defesa como em tudo o resto, somos um Estado-membro da União Europeia e da Aliança Atlântica.
Trata-se, desde logo, de uma questão de dignidade. Das Forças Armadas e do Estado, que tem de saber honrar os seus compromissos, tanto para com o seu povo e seus aliados como para com aqueles que dão corpo a tão nobre missão.
Esses, os militares, se não merecem nem podem ser esquecidos em tempos de paz, muito menos podem ficar desarmados em tempos de guerra, como os que correm.
E pena é que os políticos portugueses só se lembrem deles quando as coisas ficam negras – como na pandemia e no processo de vacinação – ou quando se tornam, eles próprios, uma ameaça política – como pode muito bem e a breve trecho vir a ser o caso e, por prevenção, já vão sendo visíveis algumas manobras de bastidores.
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