Não tenho qualquer competência técnica para discutir o Orçamento; mas tenho a competência política dada por mais de 40 anos a escrever semanalmente sobre a política portuguesa. E o que esta me ensina é que não interessa nada discutir um orçamento rubrica a rubrica: tanto para a Saúde, tanto para a Educação, tanto para a Cultura, tanto para aqui, tanto para ali… E isto porque a execução do Orçamento, ao longo do ano, se vai afeiçoando às necessidades do Governo.
Se houver folga, abre-se a torneira; se não houver, fecha-se ou recorre-se a medidas extraordinárias.
O exemplo mais ilustrativo desta verdade foi o primeiro ano de Mário Centeno como ministro das Finanças, depois da saída da troika e de quatro anos de Governo PSD/CDS.
A ‘geringonça’, liderada pelo PS, fez promessas à bruta, devolveu rendimentos, promoveu desnacionalizações, reduziu horas de trabalho, etc., e a meio do ano o défice era gigantesco.
Centeno assustou-se.
E lançou mão de todo o catálogo de medidas financeiras ao seu dispor: fez cativações sobre tudo o que podia, lançou um plano de regularização fiscal para cobrar impostos em falta, inventou novas taxas.
O Orçamento não é, pois, uma Bíblia – é apenas uma orientação.
Sendo assim, não interessa nada discuti-lo ao pormenor.
Aquilo que valerá a pena debater, resume-se a três pontos:
1 . Qual foi a ideia global que presidiu à elaboração do Orçamento?
2. Há alívio ou agravamento fiscal?
3. O Orçamento prevê défice ou superavit?
Quanto ao último ponto, Fernando Medina foi perentório: haverá superavit, que servirá para reduzir a dívida pública, com o objetivo de a baixar dos 100% do PIB.
Não posso concordar mais com essa intenção, que já aqui elogiei.
Embora, atenção: a dívida tem sido reduzida apenas em percentagem do PIB, pois em valor absoluto tem aumentado sempre.
E o superavit é conseguido pelo aumento da receita e não pela redução da despesa, como seria curial.
Sobre o 2.º ponto, a redução ou não de impostos, está tudo dito: reduzem-se os diretos, aumentam-se os indiretos.
Reduzem-se portagens mas aumenta-se o imposto de circulação; cresce o ordenado mínimo mas acaba o IVA zero; baixa-se o IRS mas aumenta-se o imposto sobre combustíveis…
É o que se chama dar com uma mão e tirar com as duas, pois a receita fiscal total aumenta.
Mas o expediente resulta, como se tem visto.
Até porque a redução de impostos diretos é mais fácil de explicar e propagandear.
Com a baixa do IRS em certos escalões, por exemplo, o Governo pode dizer que há mais dinheiro nos bolsos das famílias, o que é sempre popular.
A terceira questão é: que ideia está por detrás deste Orçamento? Esta pergunta já foi parcialmente respondida atrás: conquistar votos. Não sou eu que o digo: num canal televisivo, o socialista Paulo Pedroso afirmou abertamente que o Orçamento teve em conta ser um ano de eleições. «Não é que seja eleitoralista – afirmou – mas é eleitoral».
De facto, não arranjou melhor palavra, e ficou tudo dito.
Fora isso, por detrás deste Orçamento não há nenhuma ideia.
Também não sou eu que o digo: o socialista António Mendonça afirmou que o OE lhe lembra um saco onde se foram metendo medidas avulsas – uma redução de impostos a uns, uns apoios às rendas a outros, uns vales para o consumo de energia, etc. – mas por detrás do qual não se percebe uma ideia para o país.
Tenho escrito à saciedade sobre este problema.
Não se vê na governação um desígnio, um objetivo a prazo, vê-se uma simples gestão do quotidiano.
António Costa é um gestor do poder – falta-lhe ambição para ser um estadista.
E este Orçamento é o espelho disso. Um enormíssimo conjunto de medidas soltas com o objetivo de satisfazer o maior número de eleitores e ganhar votos.
É esta a forma de governar do primeiro-ministro.
Não há nada a fazer.
Mas como também disse Paulo Pedroso, «o PS tem ganho eleições assim e por isso não há muitos motivos para mudar».
O grande problema da democracia é este mesmo.
Nem sempre o que agrada momentaneamente à maioria é o melhor para o país.
Portugal, aliás, é a prova viva disso: o país definha, mas o Governo mantém a popularidade.
Por vezes, para lançar o futuro, são necessários sacrifícios, medidas impopulares.
Só que Costa está nos antípodas desse tipo de fazer política: quer o máximo de medidas que o aguentem no poder.
Repito: não sou eu que o digo.
Os próprios socialistas já o vão vendo.