As danças do Nobel

Nem mesmo a Física escapou à atração pela arte da expressão corporal com movimentos ritmados.

A cada início de outubro, a Academia Real das Ciências da Suécia anuncia os nomes dos galardoados com o prémio mais ambicionado do mundo. O processo de seleção lembra a dança das cadeiras, mas ao contrário, pois neste jogo há apenas um perdedor. Acresce que os nomes dos nomeados não laureados com o Nobel só serão conhecidos daqui a meio século.

Este ano, seguindo uma tendência que vem desde 1901, quando foram pela primeira vez atribuídos, os prémios, excetuando os que de seguida se elencam, foram maioritariamente concedidos ao género masculino. O da Física, partilhado, foi para a franco-sueca Anne L’Huillier, pela criação de pulsos de luz de atosegundos para o estudo da dinâmica dos eletrões na matéria (1 atosegundo = 0,000 000 000 000 000 001 s).

O da Fisiologia ou Medicina, também partilhado, foi para a húngara Katalin Karikó, pela investigação que levou ao desenvolvimento de vacinas ARNm para a covid-19. O da Economia distinguiu Claudia Goldin, norte-americana, pelo seu estudo das desigualdades de género nos rendimentos. Por fim, o da Paz foi para a ativista iraniana Narges Mohammadi pela sua luta contra a opressão das mulheres no Irão. Feitas as contas: quatro mulheres em onze nobelizad@s.

Ainda assim, um dos piores anos em tempos recentes foi 2021: apenas uma mulher foi distinguida (Nobel da Paz). O próprio secretário-geral da Academia Sueca lamentou na ocasião o reduzido número de mulheres nobelizadas, mas descartou a criação de quotas, destacando a importância da escolha dos laureados com base nos seus feitos e não em género ou etnia.

Falando de dança, é curiosa a recorrência da sua associação ao Nobel. E nem me refiro ao baile que, a 10 de dezembro (dia da morte de Alfred Nobel, criador do prémio), tem lugar na Câmara Municipal de Estocolmo após o banquete da cerimónia de entrega dos prémios. Comece-se por 2005, ano em que o Nobel da Química foi concedido a três investigadores pelo desenvolvimento de novos catalisadores de metais como ruténio ou molibdénio, capazes de atuar como ‘instrutores de dança’ que promovem rearranjos entre os membros dos ‘pares dançantes’, ou seja, em alcenos (compostos com ligações C=C), formando novos pares. Foi assim que as reações de metátese (’mudança de lugar’) foram explicadas ao grande público.

Interessante a analogia, mas ainda mais fascinante foi o trabalho que valeu ao alemão-austríaco Karl Ritter von Frisch o Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1973. Tratou-se do estudo da comunicação entre insetos, nomeadamente a descodificação da dança das abelhas, que ocorre quando uma delas regressa à colmeia e, com o corpo e as asas, faz às colegas uma descrição da sua viagem até ao local onde encontrou pólen e néctar, incluindo indicações sobre a direção e a distância.

Nem mesmo a Física escapou à atração pela arte da expressão corporal com movimentos ritmados. Em 1963, o Nobel (partilhado) distinguiu a germano-americana Maria Goeppert Mayer pela sua contribuição para o modelo nuclear de camadas, que concebe o núcleo do átomo como uma série de camadas de energia crescente, nas quais protões neutrões se distribuem de acordo com princípios análogos aos que regem as camadas eletrónicas. Para explicar isso numa linguagem que todos entendessem, a cientista comparou as camadas nucleares aos círculos descritos por pares de bailarinos que valsam em volta de um salão enquanto giram, ora para a direita, ora para a esquerda. Goeppert Mayer foi a segunda nobelizada na Física; a primeira, 60 anos antes, foi Marie Curie (prémio também partilhado), pela sua investigação da radioatividade.

Não se sabe se era dada às danças, mas conhecia uma bailarina: Loïe Fuller. As coreografias desta norte-americana, como a ‘dança serpentina’ (foto), bem como as técnicas de iluminação que concebeu e patenteou, levaram ao rubro as plateias do parisiense Folies Bergère. Com um genuíno interesse pela ciência, Fuller inspirou-se na descoberta da radioatividade para a ‘dança do rádio’.

Ansiava possuir um pouco desse elemento para aplicar nas vestes que usava em cena, confiando que a sua radioluminescência esverdeada intensificasse o impacto da performance. Para isso contactou os seus descobridores. Marie Curie recebeu-a, explicando que possuía apenas uma quantidade minúscula do elemento, destinada a aplicações na medicina. Fuller não saiu de mãos a abanar: tinha acabado de criar uma amizade com a cientista.