‘Quem dorme a sesta não dorme de noite’

Quanto mais velhas, mais difícil será as crianças fazerem a sesta, porque querem ficar acordadas como os crescidos.

Já na barriga da mãe os bebés têm os seus ritmos de sono, que muitas vezes conseguimos identificar através dos seus movimentos. Quando nascem e durante os primeiros tempos de vida ainda dormem a maior parte do dia e, com o avançar do tempo, os pais têm a tarefa, muitas vezes hercúlea, de adequarem os padrões de sono do bebé aos seus, porque não seria possível passarmos a noite acordados e o dia a dormir. À medida que vão crescendo é criada uma rotina organizadora de todos e as sestas começam a fazer-se sempre no mesmo período. A necessidade de dormir vai diminuindo e as sestas também são alteradas em número e duração, respeitando assim os ritmos do bebé. Esta transição é feita sobretudo de acordo com a necessidade do bebé e não a nossa.

Quanto mais velhas, mais difícil será as crianças fazerem a sesta, porque querem ficar acordadas como os crescidos, sentem que ir para a cama é uma perda de tempo e também são mais persuasivas. É nessa altura que nós, adultos, devemos ter a sensatez de perceber se a criança não quer dormir porque não lhe faz falta ou porque prefere estar a brincar, embora todos os indicadores nos mostrem que umas horas de descanso só lhe fariam bem.

Infelizmente, em muitas escolas essa sensatez não existe e os meninos quando entram para o pré-escolar deixam simplesmente de dormir a sesta. Convencionou-se – por falta de espaço, de equipamento ou para a maximização do trabalho das educadoras e auxiliares – que a partir dos três anos as crianças já não precisam de fazer uma pausa à tarde. Aos dois anos, precisavam, mas, por magia, com a mudança de sala no ano seguinte, essa necessidade simplesmente desaparece.

Ainda subsiste também o mito de que ‘quem dorme a sesta não dorme à noite’, embora os pais e educadores mais atentos percebam que isso não é uma verdade generalizada.

A maioria das crianças de três anos precisam de dormir a sesta, de aproveitar a inércia a seguir ao almoço não só para descansar o corpo e a mente, mas também para consolidar todas as aprendizagens feitas. Ao contrário do que muitas vezes se ouve, se não dormirem nessa altura, quando chegar a noite estarão tão estimuladas e tão cansadas, que será muito mais difícil adormecerem. Como acontece também com os adultos, aliás.

Tal como fazemos com a fome e outras necessidades básicas, a sesta devia ser respeitada e respondida de acordo com a necessidade da criança. Pelo bem da sua saúde física e mental e também pela dos outros. Uma criança pequena com sono fica rabugenta, intolerante, irritável. Não só não aproveita o resto do dia plenamente – e essa falta poderá trazer repercussões ao nível da atenção, aprendizagem, memória, regulação emocional e comportamento –, como dificultará a vida a quem a rodeia. Numa sala de pré-escolar então, com 20 ou mais crianças rabugentas, prefiro nem imaginar o cenário.

Pela mesma razão que se deve deixar dormir uma criança que tem sono, também se deve libertar da sesta aquela que já não tem necessidade de dormir à tarde, porque, aí sim, é possível que à noite, quando os pais apagarem a luz, comece a festa no quarto. Ou seja, devemos deixar as crianças que têm sono dormir. Não devemos privá-las de uma necessidade tão básica que terá implicações diretas no seu desenvolvimento e bem-estar. Da mesma forma que não negaríamos um prato de sopa a quem tem fome.