Tenho o hábito de pactuar, e o estrito dever de fazê-lo, com divergências de opinião, diferenças de sensibilidade, visões distintas do mundo e da vida. Não posso, nem quero aceitar qualquer pacto, por ténue que seja, com a inumanidade quimicamente pura, a ferocidade primeva. Em suma, pactuar com o regresso da selva ancestral ao próprio coração do ecossistema humano.
Crianças decapitadas diante dos pais, assassinados de seguida, são a imagem mais forte das muitas que nos chegaram do avanço do Hamas sobre o povo de Israel. O símbolo perfeito desse regresso da selva primitiva. Isto seria já por si só aterrador. Se por aí ficasse, poderia ser levado à conta de um fenómeno localizado, um tumor encapsulado cirurgicamente extirpável. Mas não. E o que nos faz temer pelo ruir das bases da nossa cultura europeia e da nossa civilização ocidental é a indiferença com que isto foi recebido no mundo sofisticado e envernizado das falsas elites das capitais do mundo. Algumas horas após a descrição dos horrores vividos, os grandes meios de comunicação e a ala esquerda política, a de fora e a de dentro, apenas se preocupavam com o que poderia vir a acontecer aos terroristas, as exações que iriam ser cometidas pelos ‘genocidas’ israelitas. Rapidamente começaram a florescer as explicações, as justificações, o ‘sim, mas…’, os paralelismos forçados, as simetrias assimétricas. A culpa, não podendo ser atribuída ‘ao Passos’, recuou até Moisés e até ao próprio Adão. Tudo serviu para justificar o injustificável.
De todas as falsas simetrias, a mais hipócrita funda-se na falsa equiparação entre o exército israelita e os terroristas do Hamas, com estes promovidos a ‘combatentes’. E falsa porque as Forças israelitas combatem à frente dos civis, servindo-lhes de escudo. Os terroristas, esses combatem atrás dos civis, com estes a servir-lhes de escudo. Toda uma ética os separa.
Ouvindo hoje, no Parlamento, as vozes do PCP e do BE, esses ecos da extrema-esquerda global, e refletindo nas ‘linhas vermelhas’ que quase toda aquela santa gente ali sentada coloca ao Chega enquanto abre servilmente, de par em par, as portas aos estalinistas e aos troskistas que ali estavam na minha frente a tentar justificar o injustificável, pela primeira vez temi seriamente pelo futuro do mundo que herdámos. Esse mundo que reagia em uníssono contra o holocausto e o Holodomor e outros mais limitados surtos de barbáries episódicas em uníssono e ‘sem mas nem meios mas’.
Tendo em conta o observável nestes dias decisivos, temo que esse mundo se dissolva na paisagem. Não sei se a selva amazónica está, ou não, em recuo. Mas sei, isso sim, que ela avança, imparável e sombria, pelos bairros in das metrópoles onde dormem aqueles que comandam as grandes corporações globais; que ela sobe pelos arranha-céus onde nasce a informação que se distribui pela sombra daquilo que em tempos idos já foi uma forte e pujante classe média; que se espraia pelos solenes palácios onde – pelo menos aparentemente – se desenham os destinos das nações.
Entre essas metrópoles e nas suas periferias, vivem os ‘deploráveis’. Os que não foram desconstruídos pela Escola de Frankfurt. Que casam e têm filhos que educam. Com seguro bom senso, mesmo que, tantas vezes, sem sombra de bom gosto. Neles, a selva não avança. E serão eles que a farão regredir ao ponto de partida.
Deputado do Chega