Israel, a emoção e a razão

Se Israel mostrasse medo, se deixasse de reagir com brutalidade aos ataques de que é alvo, estes seriam cada vez piores. E um dia os israelitas ver-se-iam empurrados até à praia e lançados ao mar.

As discussões nunca chegam a parte nenhuma, porque os seres humanos têm um lado ‘racional’ e outro lado ‘emocional’. E o lado emocional não os deixa geralmente mudar de posição, por mais racionais que sejam os argumentos dos ‘adversários’.

Na guerra da Ucrânia, há os que estão emocionalmente com os ucranianos e os que alinham com os russos. E neste conflito entre Israel e o Hamas, há os que torcem pelos judeus e os que sofrem as dores dos palestinianos. Por mais que digam que são imparciais, não conseguem. Numa guerra é impossível estar a meio da ponte.

No programa O Último Apaga a Luz, por exemplo, Raquel Varela pode jurar mil vezes que repudia os ataques do Hamas e é contra todas as formas de terrorismo, mas é fácil perceber que está emocionalmente ao lado dos palestinianos contra Israel. E por mais que Moita de Deus garanta que lamenta as vítimas do lado palestiniano, todos percebem que está emocionalmente a favor de Israel.

E tudo o que ambos pensam e dizem é enformado por esse alinhamento original.

Há muitos anos que sou sensível à causa dos judeus, e isso marca em todas as situações a minha opinião. Desde criança ouvi o meu pai elogiar a coragem e determinação do povo judeu, por qual tinha verdadeira admiração. A isto não seria alheia, seguramente, a tragédia do Holocausto. Mas, embora nunca mo tenha dito, esse sentimento terá sido reforçado pelas suas investigações sobre a Inquisição em Portugal e a perseguição aos judeus, tema sobre o qual escreveu vários livros. Era difícil, nessa altura, não estar ao lado de um povo mártir, constantemente escorraçado.

Mas também a capacidade de trabalho e de realização dos judeus era determinante para o respeito que geravam. O modo como fizeram de desertos terras prósperas. O meu pai falava-me muitas vezes dos kibutz como um exemplo. E após uma viagem a Israel, já na fase madura da vida, disse-me:

“Quando andamos por aquelas terras e vemos uma casa percebemos logo se é de um árabe ou de um judeu. Se o terreno à volta está bem cuidado, limpo, arrumado, bem aproveitado, é de um judeu; se está desmazelado, sujo, abandonado, é de um árabe”.

Não é por acaso que Israel é uma nação próspera e na Palestina se vive miseravelmente.

Passando para os dias de hoje, uma das curiosidades desta guerra é que, apesar de tudo, há muita gente ao lado dos israelitas. Aqui há 40 anos, quando entrei para a direção do Expresso, quase todos os jornalistas eram contra Israel. Lembro-me de artigos encomiásticos publicados a favor da ‘gloriosa’ intifada. Das fotos repetidas de miúdos nas ruas a atirar pedras aos soldados israelitas. Dos sucessivos cartoons de António representando os ‘novos judeus’ no lugar dos nazis e os palestinianos no lugar dos ‘velhos judeus’ perseguidos por Hitler.

O próprio Balsemão era muito crítico em relação a Israel. Recordo um almoço com ele e com Pedro Norton no Vela Latina, em Belém, em que ambos criticavam severamente uma ação qualquer do Exército israelita. Perante a sua surpresa, torci o nariz e disse o óbvio: que, se os israelitas não fossem duros, não reagissem por vezes à bruta aos ataques dos árabes, já teriam sido escorraçados dali.

Entalado entre países árabes ferozmente hostis – Egito, Jordânia, Síria, Líbano – e o mar, o Estado de Israel está numa posição de vulnerabilidade extrema. Cercados por 270 milhões de árabes que lhes votam um ódio de morte, os 9 milhões de judeus, entre homens, mulheres e crianças, não têm outro modo de se defender senão mostrarem-se duros, coriáceos, até violentos. De contrário, serão inexoravelmente empurrados para o mar. Não têm escapatória.

Percebo que se condenem as retaliações israelitas ao ataque do Hamas, e se fale de ‘vingança’. Mas há que não esquecer isto: é sempre o Hamas que ataca primeiro. E desta vez com uma ferocidade como raras vezes se viu nos tempos modernos. Degolando bebés, queimando pessoas vivas dentro de carros, violando, retalhando corpos. Uma orgia de sangue.

Quando Israel mostrar medo, quando deixar de reagir com brutalidade aos ataques, estes serão ainda piores. Só pensará o contrário quem nunca ouviu um líder do Hamas falar.

Naquele lugar do mundo só se entende uma linguagem: a linguagem da violência. Os judeus passaram muito até chegarem à terra prometida – e agora cuidam-na como nunca ninguém a cuidou antes e defendem-na com unhas e dentes. Com excessos. Mas com valentia.

É claro que quem tem o coração ao lado dos palestinianos nunca o compreenderá.