Velocidade em choque com o ambiente

Na Europa, discute-se o aumento da velocidade nas autoestradas para 150 km/h, com a justificação de que a maioria dos acidentes ocorre nas artérias urbanas e em estradas nacionais. A defesa do ambiente pode travar essa intenção.

Há poucas semanas o ministro das Infraestruturas e Transportes de Itália confirmou que está a trabalhar para aumentar de 130 para 150 km/h o limite de velocidade em autoestrada. O mesmo acontece na República Checa, que vai aumentar para 150 km/h a velocidade em algumas autoestradas a partir de 1 de janeiro de 2024. Temos ainda o exemplo alemão, onde muitas autoestradas têm zonas sem qualquer limitação. As autoridades deixam aos condutores a responsabilidade de escolher a velocidade a que circulam, e os dados são, no mínimo, curiosos. O estudo realizado em 2021 pelo instituto de economia verificou que 77% dos alemães circulam a 130 km/h e apenas 2% andam acima de 160 km/h. Algo impensável de acontecer nos países do sul da Europa, incluindo Portugal, onde existem muitos aceleras.

Dentro do espaço europeu não andam todos à mesma velocidade, nem têm a mesma visão do assunto. Na Bulgária e Polónia, o limite máximo em autoestrada é de 140 km/h, já em Itália, Alemanha, Áustria, República Checa, Eslovénia, França, Grécia e Luxemburgo está fixado nos 130 km/h. Portugal, Espanha e Bélgica têm 120 km/h como velocidade máxima, no Reino Unido o limite é 112 km/h, baixa para 110 km/h na Suécia e para 100 km/h na Noruega e Chipe.

Em Portugal, fica tudo como está, apesar de o Automóvel Club de Portugal (ACP) ter proposto ao Governo o aumento gradual da velocidade em autoestrada. “Defendo o aumento da velocidade por etapas”, começou por dizer Carlos Barbosa, presidente do ACP. “Nas duas revisões do Código da Estrada fizemos a proposta de passar a velocidade para 130 km/h em seco e 110 km/h com piso molhado e, posteriormente, aumentar para 140 ou 150m km/h. Como em todas as outras propostas, não tivemos qualquer resposta”, revelou. O responsável do maior clube português discorda também da política seguida pelo Governo: “Tem uma Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que é completamente inapta, não existe qualquer política de segurança rodoviária. A estratégia que segue em relação à velocidade é baseada em pressupostos completamente errados, já ninguém respeita o limite de velocidade de 120 km/h”, fez questão de salientar. “A política é colocar radares, mas há muito mais a fazer, nomeadamente criar mais campanhas rodoviárias e mudar o ensino da condução e os exames para obter a carta, que são extremamente permissivos”. Sobre este tema, acrescentou: “Devia ser feita uma investigação sobre as escolas de condução que não dão as lições mínimas, 30 de código e 30 de prática, e isso não acontece. Em Portugal, as pessoas vão para a escola de condução para tirar a carta e não para aprender a conduzir. É um problema de mentalidade e de educação, e o Governo não faz nada para mudar esse quadro”.

Diferentes visões

Os especialistas em segurança rodoviária e ambiente continuam a divergir do cidadão comum, que não entende por que razão não se aumenta a velocidade quando há melhores autoestradas e os carros são mais seguros graças aos diferentes equipamentos de assistência e ajuda ao condutor, caso da travagem de emergência, sistema que mantém o veículo na faixa de rodagem, limitador de velocidade inteligente e sensores de alerta para evitar acidentes por falta de visibilidade. Estes sistemas estão disponíveis nos veículos topo de gama, mas o objetivo é democratizá-los e montá-los nos modelos mais acessíveis.

Há dados indesmentíveis que alimentam a discussão. Os números da Comissão Europeia referentes a 2022 indicam que 20.600 pessoas perderam a vida em acidentes rodoviários, 52% das mortes aconteceram foram dos grandes centros, 39% nas zonas urbanas e apenas 9% em autoestrada. A juntar a isso, temos que os países mais conservadores em matéria de velocidade são os que registam maior sinistralidade, e a maior parte dos acidentes ocorre fora das autoestradas.

A autoestrada continua a ser a via mais segura em Portugal. Nas últimas três décadas assistiu-se a um aumento da segurança nessas vias, que, segundo especialistas em prevenção rodoviária, são cinco vezes mais seguras do que muitas estradas secundárias, mal conservadas e sem sinalização, onde até cumprindo a velocidade é perigoso andar.

Na verdade, a velocidade só se torna um problema se o condutor for irresponsável e não adaptar a velocidade às condições da estrada/autoestrada, nomeadamente ao trânsito, visibilidade e condições meteorológicas. Em França, por exemplo, os dados mais recentes revelam que a maioria dos acidentes mortais nas autoestradas tiveram como causa comportamentos individuais e não a velocidade. Segundo as autoridades franceses, condutores jovens, fortemente alcoolizados e sob o efeito de drogas e medicamentos, foram a principal causa de morte.

Velocidade e ambiente

Os automóveis são responsáveis por 54% das emissões de CO2 produzidas pelo transporte rodoviário, que poderiam ser reduzidas caso a velocidades baixasse. Segundo alguns especialistas, uma velocidade reduzida em 10 km/h permite poupar até um litro de combustível por 100 km. A Agência Internacional da Energia e a Comissão Europeia delinearam uma série de medidas para reduzir o consumo de energia, e uma delas é limitar a velocidade nas autoestradas a 100 km/h para veículos ligeiros de passageiros e mercadorias e a 80 km/h para veículos pesados. A entrada na norma antipoluição Euro 7 em 2025 pode ser um travão ao aumento do limite de velocidade nas autoestradas.

A primeira vez que se impôs limite de velocidade fora das localidades em Portugal foi em 1973 devido à crise energética, com 80 km/h para as estradas nacionais e 100 km/h em autoestradas. Em 1976, esses valores subiram para 90 km/h fora das localidades e para os 120 km/h nas autoestradas. Esses valores ainda hoje se mantêm e não há qualquer intenção de mudar, apesar de termos uma das redes viárias mais desenvolvidas e elogiadas do mundo e um parque automóvel com mais qualidade do que há duas décadas. Há alguns anos foi criada uma petição pública para passar o limite para os 150 km/h, mas sem qualquer efeito prático.

Os fundos europeus aceleraram o crescimento da rede de autoestradas em Portugal. Em 1990, havia apenas 300 quilómetros, em 2022 existem 47 rodovias classificadas como autoestradas em Portugal, num total de 3.065 quilómetros, que colocam Portugal no quarto lugar a nível europeu no rácio de quilómetros por mil habitantes. O campeão das autoestradas é a Espanha, com 15.585 quilómetros.