Quando António Costa, sem pré-aviso, deixou Alexandra Leitão de fora do Governo de maioria absoluta PS, convidou a sua até aí ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública para a liderança da bancada parlamentar, uma vez que Ana Catarina Mendes trocara esse lugar pela pasta dos Assuntos Parlamentares.
Alto e a bom som, Alexandra Leitão recusou o convite do líder socialista, assumindo o lugar de deputada e aceitando, sim, render Ana Catarina Mendes apenas e só no já histórico programa de rádio e televisão que muda de nome mas mantém Carlos Andrade, Pacheco Pereira e Lobo Xavier como protagonistas há décadas.
Fez bem e também não foi mau para o chefe do Governo e secretário-geral do PS, porque, assim e com a confirmação de Eurico Brilhante Dias à frente do grupo parlamentar, tem na primeira fila de S. Bento um fiel cumpridor das orientações da direção do Executivo e do partido e uma caixa de ressonância da cartilha defensora da ação governativa.
O que, como está à vista de toda a gente, dificilmente teria com Alexandra Leitão.
A professora universitária em tempos assistente de Marcelo Rebelo de Sousa na Faculdade de Direito de Lisboa não se coíbe de dizer o que lhe vai na alma, cada vez mais à esquerda e na linha do seu também ex-colega de Governo Pedro Nuno Santos.
Se Costa não a tratou como devia quando, gorando-lhe as expectativas, não a escolheu para fazer parte do novo elenco governativo, também é público e notório que Fernando Medina não morre de amores por ela.
Aliás, o desamor é recíproco. Como ainda agora ficou bem patente a propósito do Orçamento de Estado para 2024 e do aumento do Imposto Único de Circulação para os carros velhos.
Choveram as críticas à descabida proposta do Governo que já soma mais de 300 mil assinaturas numa petição para a sua revogação, mas as de Alexandra Leitão são politicamente mais relevantes por debilitarem a posição do ministro das Finanças e do próprio chefe do Governo e líder do partido, uma vez que permite que a Oposição clame que nem os socialistas conseguem convencer.
Porque a proposta, nesse particular, prejudica de facto os mais pobres. Ou seja, aqueles que não têm possibilidade de trocar os seus carros velhos por novos – sobretudo quando o recurso a financiamento bancário não é hipótese, face aos juros que o tornam proibitivo.
Alexandra Leitão é socialista, da chamada ala mais à esquerda e defensora de uma governação ao estilo da ‘geringonça’. Não podia estar de acordo com o agravamento do IUC para os carros mais velhos.
Como também não podia deixar de estar de acordo, como defensora da igualdade e dos direitos das minorias, com o investimento que este Governo reserva para a promoção da igualdade do género – que, como o Nascer do SOL aqui publicou na semana passada, no OE 2024 soma quase a totalidade da verba destinada aos três ramos das Forças Armadas.
É certo que a ministra da pasta, Helena Carreiras, se destaca pela defesa da igualdade de género no Exército, na Marinha e na Força Aérea e, como assim, pode inclusivamente argumentar que aquelas verbas são em parte acumuláveis – a máquina de propaganda do Executivo dá para tudo –, mas não deixa de ser revelador das prioridades e opções deste Governo, em especial numa altura em que a guerra está instalada na Europa e volta a escalar no Médio Oriente.
Os chefes militares bem podem reclamar contra a degradação a que as Forças Armadas chegaram, com poucos homens, sem meios e sem motivação. E fazer chegar aos responsáveis políticos que a situação é de tal ordem que está mesmo em causa a capacidade de honrar os compromissos (missões) assumidos(as) para com os países aliados (parceiros da NATO).
Mas, ao que parece, o que preocupa Alexandra Leitão e o poder socialista é que volte a pairar a hipótese de um militar regressar ao Palácio de Belém nos próximos tempos – ou seja, que o almirante Gouveia e Melo possa ser candidato às Presidenciais de 2026.
“Não vejo com bom olhos que o cargo de Presidente da República seja ocupado por um militar”, assumiu a ex-ministra doutorada em Ciências Jurídico-Políticas, para quem, em democracia e quando estão a cumprir-se 50 anos da Revolução de Abril, um militar não tem ou não deve ter os mesmos direitos políticos que um outro cidadão qualquer.
Porque, como já escrevia o outro, todos os cidadãos são iguais, mas os militares são menos iguais do que os outros.
É este PS e os socialistas no seu melhor. Esgrimindo as ‘narrativas’ que lhes convêm, para continuarem o assalto aos cargos políticos e públicos que os tornam quase hegemónicos no aparelho do Estado de norte a sul do país.
Ao ponto de irem criando a ideia na opinião pública, através da opinião publicada nos media, de que até a alternativa ao PS está no… PS.
E os partidos à esquerda e à direita vão caindo no engodo, mordendo o isco e deixando-se apanhar nas malhas cada vez mais finas deste arrastão, seja por ingenuidade, impreparação, conformismo ou oportunismo.
Por isso, continua o festim sem fim à vista.
Eles querem arrebanhar mesmo tudo e não vão deixar nada.