Vítor Neves. “A mortalidade por cancro colorretal ultrapassa as 12 pessoas por dia”

Vítor Neves, presidente executivo da Europacolon Portugal – Associação de Apoio a Doentes com Cancro Digestivo, desde 2007, fala da doença cuja incidência é superior a 10 mil casos novos por ano.

Portugal tornou-se o primeiro país europeu a realizar um programa de rastreio ao cancro colorretal voltado especificamente para afrodescendentes. Uma iniciativa que surgiu após os Estados Unidos identificarem que os afro-americanos têm uma probabilidade 40% maior de morrer de cancro colorretal em comparação com outras comunidades.

O projeto chamado +INTESTINO, liderado pela Europacolon Portugal – Associação de Apoio ao Doente com Cancro Digestivo, é o primeiro estudo focado nos afrodescendentes na Europa. Foi implementado numa unidade móvel que circulou em várias áreas do concelho da Amadora, no distrito de Lisboa, como uma iniciativa pioneira.

O objetivo deste programa é avaliar a eficácia do rastreio e, se for bem-sucedido, servirá de exemplo para futuras implementações noutros países. A American Cancer Society revelou que os afro-americanos têm um risco 20% maior de desenvolver cancro colorretal e um risco 40% maior de mortalidade em comparação com outras comunidades.

Em Portugal, o cancro colorretal é responsável por 12 mortes por dia, e mais de 11 mil novos casos são diagnosticados a cada ano. No entanto, 50% da população ainda desconhece os sintomas da doença.

Os afrodescendentes enfrentam várias barreiras em relação ao rastreio, incluindo medo devido à falta de conhecimento, falta de confiança no Sistema Nacional de Saúde (SNS) e exclusão, já que muitos não têm médico de família.

Apesar de ser focado na população afrodescendente, o programa esteve aberto a todos, independentemente da etnia. O rastreio foi gratuito e aconteceu entre 16 e 27 de outubro. O público-alvo principal foram as pessoas com idades entre 50 e 74 anos, pois a probabilidade de desenvolverem cancro colorretal aumenta com a idade, sendo que 90% dos diagnósticos ocorrem em indivíduos com mais de 50 anos.

O projeto contou com o apoio de várias organizações, incluindo a Cruz Vermelha da Amadora, a Liga Angolana Contra o Cancro, a Liga Cabo-Verdiana Contra o Cancro e a Pintavida. A unidade móvel esteve localizada em diferentes bairros da Amadora durante o período do rastreio.

O que é o cancro colorretal?

É uma doença oncológica que se situa no cólon ou no reto, que são áreas do aparelho digestivo humano. A incidência, em Portugal, é superior a 10 mil casos novos por ano e a mortalidade ultrapassa as 12 pessoas por dia. É uma doença cuja implantação pode ser reduzida através do rastreio do cancro do intestino: através de colonoscopia ou pesquisa de sangue oculto nas fezes. É barato e pode reduzir em cerca de 40% a incidência desta doença. O nosso país devia ter este rastreio implementado há muitos anos.

Quais são os sintomas?

Normalmente, é uma doença silenciosa. O fator de risco é, essencialmente, a idade: a partir dos 50. Mas também a obesidade, as doenças inflamatórias do intestino e a linha hereditária. Em algumas pessoas, há sintomas como a alteração persistente dos hábitos intestinais, o aparecimento de sangue nas fezes, a sensação de que o intestino não esvazia, cansaço, dores abdominais… Se houver algum destes sintomas, devemos ir ao nosso médico assistente. Este problema é de saúde pública!

Se for detetado atempadamente, muitas pessoas podem sobreviver.

A prevenção e o diagnóstico precoce são essenciais. A quimioterapia, a radioterapia e até a cirurgia são ferramentas-chave. Agora, quando a doença não é detetada a tempo, a probabilidade do doente ultrapassar os cinco anos é reduzida. Em Portugal, a média diz-nos que 65% das pessoas consegue estabilizar a doença e progredir.

E este cancro é mais prevalente na comunidade afrodescendente.

Sim. Um estudo feito nos EUA aponta que os afrodescendentes têm uma propensão superior em 40% para a incidência desta doença e 20% na mortalidade. Por isso, a Europacolon aceitou o desafio que lhe foi proposto através de uma entidade europeia e fez um rastreio-piloto para testar esta população e, no final, analisar comparativamente e perceber se os dados refletem este critério que foi encontrado nos EUA. É por esse motivo que estivemos em Lisboa, nas zonas mais densamente povoadas por afrodescendentes, na Cova da Moura, no Casal da Mira e em Alfornelos. Foi a forma que arranjámos, em parceria com o Global Health Project e com o apoio da SYNLAB, também com a ajuda da Cruz Vermelha da Amadora e de duas associações locais da Cova da Moura, de auxiliar os portugueses. Porque, independentemente disto, toda a gente que quisesse, poderia vir ter connosco.

Tiveram muitas pessoas a aderir?

Sim, sem dúvida! Mas importa dizer que o cancro do intestino tem algumas barreiras próprias da sua intervenção: para já, mexe com uma área do corpo humano que não é muito simpática; depois, a colonoscopia é um exame de diagnóstico obrigatório para todas as pessoas que têm um teste positivo é algo que os portugueses associam a dor e, para além disso, os afrodescendentes têm barreiras próprias que foram nítidas nos dias em que estivemos naquelas comunidades. São a autoestima baixa, a falta de médico de família, a inércia de se aproximarem dos meios de saúde, a falta de preocupação com a doença, a vergonha de expressarem a sintomatologia que possam sentir, a falta de literacia muito grande e o facto de se sentirem excluídos no SNS. Estes fatores todos associados aos tradicionais conseguem fazer aqui um conjunto de oportunidades para que a doença vá avançando e cada vez mais pessoas sofram.

E como é que a Europacolon age perante um teste positivo?

Fazemos o seguimento de todos os testes positivos. E, depois, o médico assistente pode prescrever ou não uma colonoscopia e, se prescrever, é uma dificuldade acrescida. Aquilo que fazemos é acompanhar os doentes e encaminhá-los para as consultas de especialidade se for caso disso. Só os “libertamos” quando estão entregues às consultas ou às colonoscopias. Tudo o que a Europacolon faz é gratuito: apoio jurídico, segunda opinião clínica, apoio aos cuidadores informais, etc.