A força do politicamente correto

O politicamente correto parte de ideias aceitáveis, e com isso consegue aliciar muita gente. Só que depois radicaliza estas ideias, leva-as ao extremo e erige-as em dogmas – reprimindo e humilhando quem levanta questões ou exprime dúvidas. Assim impõe a sua lei.

Nunca vi esta ideia enunciada, muito menos desenvolvida, mas depois de formulada ela surge como quase óbvia.A força do politicamente correto, que é uma das grandes ameaças à liberdade nos tempos modernos, resulta de se apoiar em ideias em si próprias aceitáveis, justas e mesmo consensuais.

O problema é que, partindo dessas ideias ‘justas’, assume depois formas radicais e constitui-se numa ideologia que tende a ser repressiva e até totalitária. 

Tomemos o racismo, por exemplo. A luta contra o racismo surge como uma causa com a qual todos em geral concordam. Só que essa luta assume depois formas extremas – como um futebolista ser condenado por brincar nas redes sociais com um amigo de outra cor de pele, como aconteceu com Bernardo Silva –, e aí estamos no reino do absurdo. O mesmo se passa quando os jogadores do campeonato inglês se ajoelham antes dos jogos, pedindo perdão pelos crimes do colonialismo cometidos pelos seus antepassados britânicos… esquecendo-se que a maioria daqueles jogadores são de origem africana, árabe, etc. (ou seja, da origem dos povos colonizados!).

Tomemos agora o aborto. É evidentemente cruel condenar-se uma mulher por fazer um aborto numa situação de desespero. Mas quando daí se passa para a liberalização total do aborto, sendo efetuado gratuitamente sem reservas em hospitais públicos – e nalguns países podendo ser feito até à altura do parto –, estamos no reino do absurdo. 

Passemos à questão do ‘género’. É saudável que as pessoas possam assumir-se como são, sem preconceitos. Mas quando um menino de seis anos pode exigir que o tratem como menina e vá à casa de banho das meninas, estamos no reino do absurdo. É como se, de repente, o sexo tivesse deixado de existir e nascêssemos indiferenciados.

Como é incompreensível que alguém que nasceu homem possa vir a ganhar um título de ‘rainha de beleza’. Sendo o espírito desses concursos celebrar a beleza feminina natural (livre de cirurgias estéticas, supõe-se), como compreender que eleja um homem como ideal de mulher? 

Tomemos outro tema ‘fraturante’: a homossexualidade. É intolerável que os homossexuais sejam perseguidos como criminosos, não podendo assumir publicamente essa condição. Mas quando se celebra a homossexualidade em desfiles públicos, e se faz a sua propaganda como se fosse um sinal de progresso civilizacional, estamos no reino do absurdo.

Tomemos a emancipação das mulheres. É uma história longa e respeitável. Mas quando se demoniza a maternidade, comparando-a à escravatura, ou quando se difunde a ideia de que homens e mulheres são exatamente iguais em tudo e podem fazer indiferenciadamente as mesmas coisas, estamos no reino do absurdo.

Tomemos a eutanásia. É um ato que pode ser piedoso em circunstâncias limite, quando um doente chega a um tal estado de degradação física que prefere morrer. Mas quando se liberaliza a eutanásia e se cria um ‘comércio da morte’, como já existe em alguns países – com médicos a especializarem-se no suicídio assistido –, estamos no reino do absurdo. 

A aceitação de refugiados políticos por parte de outros países é evidentemente louvável. Mas quando se faz a apologia das migrações e se diz que um Estado tem a obrigação de aceitar todos os imigrantes que queiram entrar nele, sejam quais forem as suas razões, estamos no reino do absurdo. 

A luta ambiental é altamente digna. Mas quando em nome dela se furam pneus, se partem montras ou se atiram bolas a ministros, estamos no reino do absurdo. 

Os exemplos podiam continuar, mas não vale a pena.

Já todos perceberam a questão: o politicamente correto parte de ideias aceitáveis, conseguindo com isso aliciar muita gente – «coitadinhos dos negros que são discriminados», «coitadinhas das mulheres que são escravizadas e condenadas por fazer aborto», «coitadinhos dos homossexuais que são perseguidos», «coitadinhos dos migrantes que são escorraçados», etc. – só que depois radicaliza estas ideias, leva-as ao extremo e erige-as em dogmas, reprimindo, humilhando, enxovalhando quem levanta questões ou exprime dúvidas. 

Assim impõe a sua lei. 

Mas atenção.

Ao condenar alguém por uma piada inócua relacionada com a cor da pele; ao transformar homens em mulheres e vice-versa; ao permitir abortos até quase ao parto; ao defender a entrada de imigrantes sem limites, etc., o politicamente correto, intencionalmente ou não, está a condenar esta civilização. 

Todas as civilizações, antes de serem conquistadas a partir de fora, destroem-se por dentro. 

O politicamente correto é hoje o grande agente desse processo.

Dizendo que quer preservar os valores do Ocidente, está a ajudar a liquidá-los rapidamente.