A liberdade de expressão, volta não volta, anda nas bocas do mundo, e é argumento muito esgrimido nos tempos que correm. Mas, amiúde, com um de dois equívocos, e às vezes até os dois. Primeiro equívoco: não tem limites. Mas tem. Tem e tem de ter, sob pena de ser, ao contrário de todos os outros direitos, absoluta e, com isso, esmagar todos os demais que podem entrar com ela em confronto, o que não é suportável numa sociedade que se possa dizer livre, porque constitui pressuposto essencial da liberdade, precisamente, a concordância prática entre direitos conflituantes, não absolutizando nenhum (nem sequer a vida).
Tem, por exemplo, limites que decorrem da segurança, da honra, da igualdade, et cetera, limites esses que, embora desejavelmente poucos e limitados a um núcleo de proteção essencial (que é o que já resulta da Constituição e da Lei e da sua interpretação maioritária, na qual me revejo), existem e devem ser respeitados, sob pena de em nome da liberdade de expressão valer tudo (uma espécie de lebensraum, à conta do qual tudo se pode invadir e espezinhar).
Segundo equívoco, que não é menos perigoso do que o primeiro – talvez até seja mais –, e que resulta da polarização que marca os tempos atuais: a liberdade de expressão é de geografia variável, sendo tanto maior (melhor, absoluta) quanto ‘melhores’ são as causas que lhe subjazem, à luz dos critérios de quem ajuíza. Ou seja, quem está comigo, com os meus temas, com a minha visão das coisas, pode dizer e escrever tudo, vale tudo, e viva a sacrossanta liberdade de expressão. Mas se quem se expressa está noutra linha, se pensa coisas diferentes das minhas ou da linha mainstream do momento ou politicamente de aplaudir, então melhor era estar caladinho, e, além de ser um biltre, nada de invocar a liberdade de expressão, que isso só vale para ‘a linha do bem’, não para ‘a linha do mal’.
E é nisto que andamos. Mas andamos mal, porque as coisas não são nada simples, e seguramente não são simples como os equivocados sobre a ausência de limites e os equivocados sobre ‘o bom’ e ‘o mau’ julgam e amiúde querem fazer crer. Isto sem prejuízo de haver uma forma mais simples e mais eficiente de reagir a certos abusos de liberdade de expressão, nomeadamente no seu confronto com a honra, que é adotar e acarinhar o ditado sobre as vozes de burro e o céu. Ou então, de um modo menos coloquial, adotar a máxima de Maria Rosa Nabasco, a personagem central do livro de Agustina Bessa-Luís, A Ronda da Noite, significando que certas coisas ou certas coisas vindas de certas pessoas não têm ou não merecem importância: “Não vou zangar-me pela picada duma pulga”.