O Brasil está de luto. O sociólogo e filósofo Danilo Santos Miranda, morreu no domingo, em São Paulo, aos 80 anos. Os meios de comunicação brasileiros adiantam que estava internado desde o começo do mês de outubro. No entanto, a causa da morte não foi revelada.
Considerado para muitos um dos guardiões da cultura e educação no país, conectava as empresas aos trabalhadores, os artistas ao público, os pensadores, políticos e instituições culturais.
Durante quatro décadas dirigiu o braço paulista do Serviço Social do Comércio (SESC), instituição que acabou por revolucionar. Ao longo desse período, o filósofo abriu diversas unidades em todo o estado. Segundo o jornal da UCP, quando Danilo Santos de Miranda assumiu a sua direção, havia 15 unidades no Estado. Hoje, são 41. Antes da sua gestão, o SESC possuía uma vertente mais «assistencialista», que valorizava pouco as atividades culturais. Miranda acabou por elevar o trabalho artístico a uma posição de protagonismo.
De acordo com a mesma publicação, na sua gestão, «o fomento à circulação de obras e a criação de novas possibilidades a artistas e investigadores tornaram-se o norte de outras instituições culturais». O sociólogo perseguia parâmetros internacionais de produção, trazendo-os – a eles e a atores renomados mundialmente –, para os palcos paulistas da instituição.
Uma das suas maiores marcas foi sua visão sobre o papel das crianças na cultura. Miranda acreditava firmemente que o acesso à cultura desde a infância era crucial para o desenvolvimento integral do ser humano. E, por isso, o SESC tornou-se também um espaço acolhedor para elas, com uma variedade de programas educativos e culturais que incentivavam a criatividade e a curiosidade desde cedo. «Eu sou, muito claramente, envolvido de corpo e alma nessa ação que eu realizo», dizia numa entrevista à revista Cult, em 2017.
Além disso, foi um defensor incansável da diversidade, trazendo questões indígenas e antirracistas para o primeiro plano. Danilo Santos de Miranda posicionou-se abertamente contra as políticas de Bolsonaro, desde janeiro de 2019, ano em que o político tomou posse.
Foi também presidente do Conselho Diretor do Fórum Cultural Mundial (2004). A sua atuação internacional também abrangeu a vice-presidência do Conselho Internacional de Bem-Estar Social e a direção da ONG Art for the World, sediada na Suíça.
Não era surpresa quando o seu nome era falado para o Ministério da Cultura. No entanto, nunca recebeu um convite formal para o único cargo que poderia fazer com que deixasse a sua instituição. Por isso, é visto como «o eterno candidato ao cargo», apesar de ter apenas ajudado a elaborar projetos culturais de Governo de todo o espetro político-partidário.
As suas raízes
Nasceu na cidade de Campos, que hoje se chama Campos dos Goytacazes, em 1943. E foi daí que veio a sua educação: «Muitos amigos, muita brincadeira de rua, a rua era um lugar tranquilo para se viver», dizia numa entrevista ao próprio SECS, em 2022.
Perdeu a sua mãe muito cedo, quando tinha apenas sete anos de idade e ela trinta e dois. Foi o terceiro dos quatro filhos da farmacêutica e de um dentista, que também era jornalista e gostava de tocar violão. Depois da perda da mãe, os irmãos foram morar com a avó e a arte, em particular a música, sempre fez parte do seu dia-a-dia. «A minha formação em casa tinha um caráter muito religioso, cultural, porque meu pai Affonso foi sempre ligado à música. Depois que ele ficou viúvo, nós nos separamos do pai, mas ele ia toda noite para a casa da minha avó e ficava connosco até tarde. Era muito hábil, sabia fazer gaiola, tocava violão, cantávamos juntos», contou.
Religião e cultura
A sua avó, que tinha muita ligação com os padres, foi procurada por um «captador de vocações» que os jesuítas mandavam à procura de meninos que pudessem ir para o seminário dos jesuítas e, aos 11 anos, ingressou na Escola Apostólica dos Jesuítas, em Friburgo, no Rio de Janeiro, um internato religioso de intensa atividade intelectual e desportiva, sediado no Colégio Anchieta, lugar onde estudou muita gente importante, inclusive o filho do Rui Barbosa, e Carlos Drummond de Andrade. O jovem foi membro de uma banda, do cineclube e das audições de sinfonias da escola. Criou ainda uma academia de letras escolar, fundou um grémio estudantil e participou em encontros do movimento estudantil ligado à União Nacional dos Estudantes
Em 1963, Miranda mudou-se para o interior de São Paulo, para integrar a Ordem dos Jesuítas, baseada no Mosteiro de Itaici. «Nesse período a gente se isola e reflete sobre si mesmo, sua espiritualidade, aprende a meditar, a aprofundar a introspeção necessária para o autoconhecimento e o conhecimento ao redor de você – é um exercício forte e uma das marcas fundamentais dos jesuítas», explicava à mesma publicação lembrando esse período. Porém, aos 24 anos, acabou por se desligar das atividades seminaristas, mudando-se para a capital onde descobriu o verdadeiro potencial.
Em 1968, viu um anúncio de jornal para um processo seletivo de trabalho no Serviço Social do Comércio de São Paulo. Inscreveu-se e, para sua surpresa, foi admitido, primeiro com o cargo de orientador social, depois, exercendo diversas funções de coordenação e chefia. «Quando eu prestei o concurso para o SESC, em meados de 1968, o meu salário triplicou. Foi uma vantagem ter prestado o concurso na época. Concurso difícil, eu achava que não ia entrar, primeiro porque eu não era uma pessoa muito afinada com o pensamento dominante, já que eu respondia de maneira muito honesta ao que me perguntavam, tanto por escrito como quando fui entrevistado. E, segundo, porque eu achava que as minhas opiniões poderiam não agradar», revelou na mesma entrevista.
Mas foi passando pelas fases, foi ficando, até que entrou no SESC. «Nós éramos por volta de mil quando iniciámos o processo, e no fim sobrámos dez, inclusive o Galina, que continua sendo meu colega e participou do mesmo concurso que eu. Os únicos que sobraram daquele concurso foram ele e eu. Todos que estão aí são mais novos. Atualmente, não tem mais nenhum funcionário mais antigo no SESC do que nós», contou.
Mais do que um gestor cultural foi para o país, um visionário que viu a cultura e a educação como ferramentas essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e consciente.