Na bola não é bola, o mister não é mister, os golos não são golos. É todo um novo léxico. Aliás, é quase tudo novo. Há mais mães do que pais a verem os treinos e os pais são quase todos ex-jogadores. No rugby, os pontos são contabilizados de meia em meia dezena, mais as faltas que também contam como pontos e os pontapés em direcção às balizas aéreas que também valem outra coisa qualquer. O equipamento de treino, esse, é roupa velha. Ainda não decorei o número de jogadores por equipa e muito menos o nome da posição de cada um deles. Uma coisa de cada vez. Por agora ainda estou a tentar perceber porque é que eles se agarram uns aos outros em forma de tartaruga e como é que bola, que não é bola, saí de lá de baixo. São coisas que se aprendem em novo, tal como a gramática, ou nunca mais se consegue perceber. Os rapazes começam quase todos no futebol. No recreio da escola, porque já não há rua para servir de campo de futebol nem pedras espalhadas para fazer de baliza, ou nos clubes das terras. A dinâmica é semiprofissional por esse país fora onde se descobrem os nossos cristianos ronaldos. E todos os nossos rapazes ambicionam ser mais um. Crescem entre a Fifa da playstation, os recreios das escolas e as escolas de futebol. Porque é de escolas que se tratam, apesar da competição ser a sério. No futebol, as vitórias estão dependentes de dois ou três talentosos que disparam pelo campo com arte e brilhantismo, têm pontaria e força nas pernas e fintam como os cavalos nas toiradas. São eles quem vale mais. E assim, paulatinamente, tanto nos recreios como nos clubes, os outros – com quem o deus do futebol não foi tão generoso – vão sendo recambiados para o banco à espera de melhores dias ou da sorte de terem de substituir um jogador lesionado. Uma lesão de um é a sorte de outro. No rubgy, parecem leõzinhos a chafurdarem no chão, a correrem atrás uns dos outros e a agarrarem-se como se estivessem a jogar à apanhada. Não há melhores nem piores, ninguém corre pelo campo sozinho porque simplesmente não consegue chegar ao fim. E quando um se magoa, a dor é de todos. No banco estão os gordos e os magros, os rápidos e os pesados, os baixinhos e os mais fortes. E no campo também. A vitória, o dito golo que se chama ensaio, é o culminar de uma conquista de campo como numa batalha medieval. Cada pedaço de terreno conquistado é com o esforço de todos e só assim de consegue chegar ao fim. Com todos. O rugby, além dos desportos de mar, «É o único comutativo», explicou-me há anos uma psicóloga. Por isso, miúdos com autoestima em baixo, arrebitam quando lá chegam. Numa versão papal, o rubgy é para todos, todos, todos. Tinha um filho que não jogava futebol na escola porque não arriscava pôr a sua falta de jeito ao serviço da equipa. Dava-se com as raparigas que sobravam e com os outros excluídos do grupo de rapazes. Sobreviveu, mas doeu-me. Este nunca quis para o rugby com medo de se magoar e porque nunca quis correr na vida. Tive outro que aguentou o futebol até tarde e acabou por desistir quando chegou à idade em que os colegas de equipa eram os seus adversários em luta pela titularidade. E ainda tenho outros que se transferiram do futebol para o rugby apesar do talento para os dois. Agora entrou o mais pequeno e, como é o mais pequeno, assisto religiosamente aos treinos numa tentativa frustrada de perceber em que direção está a correr e porquê. «Aqui não há melhores e é proibido dizermos mal uns dos outros ou somos expulsos», explica-me. Quanto ao medo, só treme cada vez que eu chamo mister ao treinador.
Rugby ou futebol?
Por agora ainda estou a tentar perceber porque é que eles se agarram uns aos outros em forma de tartaruga e como é que bola, que não é bola, saí de lá de baixo. São coisas que se aprendem em novo, tal como a gramática, ou nunca mais se consegue perceber.