‘Eram mais de 3 mil percevejos em cima de uma cama’

Pessoas que se têm de desfazer de soalhos, móveis, colchões, carpetes, que desesperam com a falta de eficácia das desinfestações. Os percevejos são a nova praga da Europa. Há quem diga que o que encontramos por cá é o percevejo asiático.

Uns, mordem, sugam sangue e destroem investimentos de uma vida. Outros são inofensivos, mas chateiam… e não é pouco. É importante, acima de tudo, que não se confunda as duas espécies: o percevejo da cama, que se alimenta de sangue humano e tem assombrado populações em vários países europeus; e o percevejo asiático, “inofensivo para os humanos”, que parece ter chegado a Portugal, havendo relatos em cidades como Lisboa, Guimarães, Coimbra ou Braga.

Recorde-se que, desde o princípio do mês, começámos a ouvir falar sobre eles – em França têm sido encontrados não só nos lugares mais comuns, como os colchões, mas também em metropolitanos, comboios, hotéis, escolas, salas de cinema e aeroportos. O problema levou mesmo a Câmara de Paris a pedir oficialmente um plano de ação ao Governo. Enquanto isso, o alarme atravessou o Canal da Mancha. Segundo a Sky News, vários hotéis do Reino Unido já estão a utilizar os ‘serviços’ de cães farejadores para detetarem percevejos. Além disso, os relatos de pessoas mordidas e que tiveram de se livrar de roupa de cama, vestuário, tapetes e colchões aumentaram nas últimas semanas.

Percevejo asiático e percevejo da cama 

De acordo com o professor e investigador da Universidade de Coimbra Hugo Gaspar, o percevejo asiático (Halyomorpha halys) é o que se encontra em Portugal – um inseto picador-sugador (Hemiptera) que se alimenta exclusivamente de plantas, pertencentes a mais de 300 espécies, afetando várias estruturas vegetais, como frutos, folhas, rebentos. “É uma praga agrícola que inviabiliza comercialmente as culturas onde se alimenta, causando cicatrizes, depressões, descolorações, deformações e/ou queda na fruta e perdas de produção até 90%, sem que exista ainda uma solução de controlo eficaz”, explica o especialista, que também é administrador de grupo de Facebook ‘Percevejo Asiático’, criado para que as pessoas possam partilhar fotografias dos bichos que aparecem nas suas casas, esclarecendo de que espécie se trata. 

Motivo de insónias 

Mas apesar do investigador garantir que aquilo que vemos em maior número são percevejos asiáticos (no grupo de Facebook as fotografias provam isso), segundo Roberto Petrocci, da empresa MataPragas, o número de percevejos da cama deve estar a aumentar em Portugal. “Recebemos pedidos de ajuda todos os dias. Antes era mais em hotéis, comboios, autocarros. Agora estão espalhados por todo o lado e são muito difíceis de erradicar”, revela ao telefone com o Nascer do SOL. “Eles alimentam-se do nosso sangue e alojam-se em buracos, onde põem ovos. Destroem tudo… Há pessoas que já tiveram de jogar móveis para o lixo”, lamenta.

Foi o que aconteceu com Rui Madeira, do Porto. Sendo taxista de profissão, é natural que apanhe várias pessoas no aeroporto e que carregue as malas até à bagageira. Um dia, começou a sentir comichões que se foram tornando impossíveis de aguentar. “Há um ano comecei a sentir comichão, as marcas de picadas aumentavam. Deixei de conseguir dormir”, começa por contar. Rui Madeira foi a inúmeros dermatologistas e chegou mesmo a fazer biopsias. Ninguém percebia de onde vinha a comichão e a origem das marcas. Até que, meses depois de procurar resposta e forma de acabar com o problema, uma médica percebeu o que se passava: Rui estava a ser picado por percevejos. Ao chegar a casa, revirou a cama e apercebeu-se das marcas pretas. No entanto, com o passar do tempo, os insetos foram-se espalhando, chegando ao quarto da sua filha. “Quando a equipa de desparasitação foi lá a casa já estava descontrolado. A primeira equipa não conseguiu resolver o problema. Por isso, disseram que mais valia mandar os móveis fora e trocar o chão”, contou. Depois de começar o processo de obra (que ainda não está concluído), as comichões desapareceram e as coisas acalmaram. 

“Este verão, vinha de Roma, num autocarro. Estive em Nápoles num airbnb. Acho que foi de lá que trouxe o bicho”, narra, por sua vez, Frederico Henriques, também ele do Porto. “Comecei a sentir comichões. Comecei a olhar para as pernas das pessoas e percebi que estavam todas picadas”, continua. Por isso, percebeu logo do que se tratava. “Assim que cheguei a casa, deitei as mochilas fora, lavei a roupa a 50/60 graus e meti algumas coisas no congelador, porque a menos de 10 graus dizem que ajuda”, explicou. Durante uma semana ainda teve comichão, mas depois acabou por desaparecer. “Não sei bem como é que este problema vai ser resolvido. Para a covid-19 ainda tínhamos uma vacina, agora para isto, não existe. É um problema global e está mesmo a ficar descontrolado”, afirma.

Apesar de não trazer doenças sérias, de acordo com Roberto Petrocci, o bicho é perigoso quando pica pessoas que tenham alergias e é possível que criem hematomas. “Isto já está a um ponto que se comprar um colchão no OLX, ou em qualquer site de venda de coisas usadas, recebe uma encomenda carregada de percevejos”, continua, já para não falar das pessoas que pegam os colchões deixados perto dos contentores do lixo.

Um problema difícil de resolver 

Interrogado sobre a pior situação que já presenciou, o responsável revela que numa casa viu mais de três mil percevejos a saltarem em cima de uma cama. “Foi muito impressionante. Temos muitos casos de pessoas que nos chamam e estão em situação de carência. O cenário aí é muito grave”, garante, acrescentando que os idosos também sofrem muito neste tipo de situações. “É importante que se perceba que existe uma reincidência. Não conseguimos resolver o problema apenas com uma ida à casa da pessoa. Conseguimos erradicar 30 a 40 %, mas eles colocam ovos e, quando nós acabamos com os insetos, a natureza impera e os ovos vão, mais tarde ou mais cedo, ser um problema”, pormenoriza. O especialista, que trabalha no ramo há 40 anos, garante que se uma pessoa teve esse problema uma vez na vida, vai ter sempre. “É mesmo assim! E é um problema mundial ao qual se deve dar atenção”, alerta. Segundo Roberto Petrocci, há dois métodos para erradicar estes insetos: tratamento químico e tratamento por calor. “O tratamento químico é o mais eficaz, mas mesmo assim, tal como dizia, eles colocam ovos em locais inacessíveis. Adoram o espaço entre o rodapé e o chão. Quando é chão flutuante, deixam por baixo”, frisa. 

De acordo com Hugo Gaspar, este é um problema social, devido ao seu comportamento de “hibernação” durante o Inverno, “instalando-se em casas e barracões com aberturas maiores que 7 mm, concentrando-se em grande número e libertando mau odor quando manuseado”.

Nativo do Oeste Asiático, conta o investigador, o percevejo asiático introduziu-se acidentalmente nos continentes americano (nos EUA em 2001) e europeu (Suíça em 2004), expandindo a sua distribuição e beneficiando de sucessivas reintroduções acidentais. “Foi intercetado em Portugal em 2018 em mercadoria importada de Itália, e tem expandido a sua distribuição desde então”, adianta.

Segundo Hugo Gaspar, o ciclo de vida do percevejo asiático divide-se em quatro fases com duração dependente das condições de clima (adiantadas e/ou alargadas em anos quentes e atrasadas em anos frios): a da reprodução (julho e agosto); a busca de abrigo (setembro e novembro); a diapausa (dezembro e março) e alimentação (abril e junho). “Salienta-se a elevada interação com estruturas humanas, principalmente durante a fase adulta (vivem 50 dias, excluindo os que entram em diapausa) e a libertação de compostos de cheiro desagradável quando perturbados (defesa comum a várias espécies do seu grupo). Daí que se recomenda a eliminação por submersão em água com sabão”, explica.

Fechar as portas e colocar redes mosquiteiras

Como era de esperar, desde que chegou a Portugal, em 2018, as populações de Percevejo Asiático (Halyomorpha halys) têm vindo a crescer em vários pontos do país e «é expectável que os contactos com o inseto aumentem nas próximas épocas de hibernação”. “Este mês, aparentemente, é o primeiro momento em Portugal que a praga se faz sentir significativamente nas casas das pessoas. Resta saber se acontecerá o mesmo na agricultura no próximo ano na época de alimentação e reprodução”, alerta.

Interrogado sobre a forma como as pessoas devem lidar com a situação, o investigador admite que «ainda não existe controlo eficaz em contexto agrícola ou habitacional». “Neste momento ainda se aguarda pela descoberta do melhor controlo, daí a ausência de resposta. Nas casas, deve-se manter as entradas fechadas ou colocar redes mosquiteiras. Caso entrem, é preferível varrer ou sacudir os insetos (apesar de voarem com alguma facilidade) para um recipiente com água e sabão, isto impede-os de sair da água, levando à sua morte sem libertação de odor”, sugere Hugo Gaspar, reforçando que, até ao momento, não teve informação sobre o percevejo de cama em Portugal.