A matança dos inocentes

Como disse Georg Steiner, o conflito israelo-árabe talvez se resolva daqui  a uns quinhentos anos…

Andava eu na décima classe do Colégio Alemão, tinha catorze anos, e a disciplina de História versava sobre o século XX. Chegou a altura de abordar o nazismo. Nesse tempo, imersa em ignorância, fiquei boquiaberta com o que o nosso professor, alemão, nos contou, e que de resto vinha no livro de História adoptado. Chegámos ao Holocausto. Fiquei em transe. O Sr. Maybach descreveu-nos com pormenor e minúcia o sofrimento infligido pelos alemães aos judeus; descreveu os campos de concentração, os gaseamentos, em suma, expôs-nos o martírio dos seis milhões de judeus exterminados. Tanta barbaridade deixou-me estonteada e fez de mim, até hoje, uma indefectível defensora dos judeus. Mais tarde, já crescidinha, dei-me conta de que se retirássemos os judeus da cultura ocidental, em todos os domínios – económico, científico, literário, artístico, o Ocidente não seria o que é.

Como é sabido, foi-lhes destinada – aos judeus que restavam pelo mundo – uma pátria onde pudessem viver em paz e segurança: declaração de Balfour de 1917. O reconhecimento de Israel como um Estado soberano aconteceu em 1948. O estabelecimento oficial de Israel na Palestina desencadeou logo uma guerra com os árabes, na sequência, aliás, de atritos que já vinham de trás. Foi a primeira de outras que se seguiram, para não mencionar, nos intervalos, uma constante belicosidade. Os judeus não eram bem-vindos na Palestina, e os árabes estavam dispostos a correr com eles de um território que consideravam exclusivamente seu – a Palestina.

A Palestina estaria sob ocupação ilegítima de Israel. Hoje, quando decorre nova guerra, o que verificamos é que a Palestina, ou mais especificamente a Faixa de Gaza, está sob ocupação do Hamas, uma organização terrorista que utiliza a sua própria população como escudos humanos. Os palestinianos da faixa de Gaza são reféns dos terroristas do Hamas, que, indiferente à alta Autoridade da Palestina – que praticamente não existe – governa desde as últimas eleições em 2007, há dezasseis anos! Usar a população como escudo uma é das coisas mais bárbaras e baixas que se possa imaginar. Se o Hamas faz isto aos seus, do que não será capaz ?

É capaz de muito mais, e a sua perfídia conseguiu surpreender-nos: no dia 7 de Outubro, arrebanhou mais de duzentos israelitas e fê-los reféns. Mulheres, crianças, bebés, foi tudo levado para lugar incerto em Gaza, onde continuam prisioneiros, e onde muitos já morreram. É doloroso pensar em que condições foram raptados, e a que condições de vida (?) estão sujeitos. Subordina a sua libertação à restituição, por parte de Israel, das centenas de terroristas do Hamas que penam, muito justamente, nas prisões israelitas.

A guerra era inevitável, após um ataque como o de 7 de Outubro. Israel não podia deixar de retaliar. Vários países, entre os quais os Estados Unidos da América, apelam atualmente a uma «pausa humanitária», que, a meu ver, significaria a derrota de Israel. E a derrota de Israel significaria a renúncia à recuperação dos reféns levados no 7 de Outubro. Pela Europa fora, multiplicam-se as manifestações exigindo um cessar-fogo, que, a meu ver, significaria a rendição total de Israel. As turbas que se manifestam pensam, quero crer, que se estão a manifestar pela libertação da Palestina. Só que a Palestina está prisioneira do Hamas, o verdadeiro ocupante da Faixa de Gaza. As manifestações a favor da ‘libertação da Palestina’ são, como não admira, de gente de esquerda. Na realidade e em essência, manifestam-se contra os Estados Unidos, símbolo e incarnação do capitalismo. É isto que importa – a paixão anticapitalista da esquerda –, a matança dos inocentes é coisa secundária.

Mais lunaticamente, muita gente, incluindo a ONU, continua convencida de que o problema se resolverá no dia em que Israel e a Palestina façam as pazes e se estabeleçam como dois Estados, se não amigáveis, ao menos que se aceitem e respeitem mutuamente. A meu ver, esta é uma radical impossibilidade. Qual será então a solução? Lamento mas não existe. Há muitos problemas no mundo que não têm solução, como a doença, a fome e a miséria, por exemplo. Como disse Georg Steiner, o conflito israelo-árabe talvez se resolva daqui a uns quinhentos anos.

Historiadora