Vivemos numa sociedade global onde deixou de existir meio-termo, passando a estar limitada pela ausência de consensos intermédios entre extremos, ficando inapta para a conciliação de interesses propositadamente antagónicos. Os reflexos desta insuficiência na busca de soluções e alternativas, que permitiriam harmonias e sãs convivências no nosso espaço comum, são bem visíveis na questão das migrações, assim como no eclodir de demasiados confrontos bélicos. Subitamente, têm de existir apenas os bons e os maus, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, as inúteis discussões sobre quem foi o primeiro antagonista, mergulhando as pessoas em intransponíveis trincheiras de opiniões.
Até a esquerda e a direita portuguesas renasceram de forma acérrima em campos opostos, aproveitando factos externos ou intervenções mundiais para se diferenciarem, expondo aos cidadãos a necessidade dessa retórica pela sua evidente carência interna de afirmação. As lutas armadas, às quais se adicionam componentes ideológicos, ajudam muito quem precisa de se promover nos seus próprios palcos, sempre egoístas e pequenos, à boleia do sangue derramado por outros, bem longe.
Podemos antever o agravamento deste cenário social no próximo ano, face às eleições europeias e aos sufrágios nos Estados Unidos da América, na Rússia e em Taiwan. Neste contexto, não parecendo coincidência o ressurgir do violento conflito na Palestina, tão conveniente à Rússia e à invasão que iniciou na Ucrânia, de modo a dividir apoios externos militares e a retirá-la da agenda mediática, poderão surgir outras frentes oportunistas de circunstância, reacendendo batalhas latentes por este mundo fora, num apelo à violência generalizada, suscetível de acordar múltiplas revoltas. Até reconhecermos, de uma vez por todas, que estamos perante confrontações globais.
Nesta altura onde deixaram de existir serviços secretos infalíveis e onde prolifera o desvio de atenções, lembrando o bombardeamento do Sudão por Bill Clinton em 1998 perante o escândalo Mónica Lewinsky, é notório que o Ocidente não controla a agenda. Vivemos no descrédito das instituições, com uma União Europeia titubeante e desorientada no seu interior, enrolada em frases inócuas que só evidenciam as suas fragilidades e a consequência de ser um ator irrelevante, tal como a própria ONU. A exemplo da extinção da Sociedade das Nações mediante o fracasso na prevenção da Segunda Guerra Mundial, também a ONU necessita de se reinventar para não perder a pouca credibilidade que lhe resta, devendo começar por punir quem alimenta guerras por interesses próprios e se aproveita da composição de um Conselho de Segurança e de um direito de veto obsoletos e desadequados da realidade.
É urgente, por isto, que cada ser humano se informe convenientemente, recorrendo às mais variadas fontes. Vivemos neste retrocesso civilizacional, onde uma nova ordem mundial se começa a construir à custa de vidas humanas, desprovida de humanismo, entretida nos progressos da inteligência artificial e alicerçada nas atitudes cínicas de líderes mundiais que usam o eufemismo de operações militares especiais. É inaceitável que ainda se lute por terras em pleno século XXI e que os povos continuem a sofrer. É insustentável que perdure este preocupante sentimento de insegurança nas almas.