Longe desta fétida lesma que se escapa à beira Atlântico sob o nome desacreditado de Portugal, como escreveu o divino Eça, a seleção nacional, já apurada para a fase final do próximo Campeonato da Europa, marcado para o próximo ano, na Alemanha, jogou de mãos nos bolsos contra essa curiosa nação chamada Fürstentum Liechtenstein, ou Principado do Liechtenstein, que tem à cabeça um príncipe como nos filmes, um tal de Hans-Adam II, que poderia traduzir-se por João Adão, não fosse isso ridicularizar uma terra que também se poderia traduzir por pedra (stein) clara (litchen) e que pode ser fraquinha nestas coisas de pontapé na bola mas nos dá dez a zero em sossego e fidalguia, logo agora que, tomados por um fúria justicialista que não se percebe ao certo como surgiu, na qual uma instituição altamente duvidosa da sua seriedade chamada Ministério Público desatou, segundo parece, a escutar tudo aquilo que dizemos uns aos outros na busca insólita de criminosos a esmo como se já não os houvesse por aí à solta desde o tempo do velho e relho José do Telhado que, comparado com muitos dos que vão surgindo, era um senhor. Por uma questão de defesa dos meus interesses, se me escutarem a dizer que deixo dinheiro sobre o baú da entrada, fiquem desde já sabendo que não há de ser muito e se destina às despesas da Dona Custódia, essa bondosa senhora que me trata da casa com uma varanda dependurada sobre o Sado na minha pacificação de Alcácer. Se isso evitar uma busca, poupam-me a chatices e algum dinheiro ao Estado.
Como um rapazito saltitando alegremente por um campo de gipsofila a colher papoilas e madressilvas, Portugal tratou de ir ganhando os jogos todos até aqui, libertando-se das incomodidades gerais do futebol nacional que agora estão a meter, vejam lá a eternidade das eternidades, uma espécie de implosão do FCPorto cada vez mais embrulhado numa teia de vaidades. Ah! Como o tempo rola lento… E como, de repente, após anos e anos de uma violência sempre latente que, em certos momentos, explodiu até em mortes muito mal explicadas, chegámos ao ponto de haver ‘jornalistas’ (só mesmo entre aspas) que se recusam a assinar peças sobre o que se passa no clube por medo de represálias. Estou um bocado à vontade para falar à larga sobre o tema porque quando divulguei o Caso Calheiros e mergulhei a fundo no Apito Dourado fui teimosa e persistentemente ameaçado por gente sem escrúpulos, com telefonemas ameaçadores às quatro e cinco da manhã, com cartas e mails impublicáveis tal o nível ordinário, e até por uma bala enviada num belo embrulhinho para a caixa de correio da morada da minha família. Nada disso me impediu de assinar fosse o que fosse, como nunca tive medo de comparecer nos tribunais de Gaia ou do Bolhão onde os processos contra mim se acumulavam ao sabor da vontade do Campeão Nacional dos Arguidos que deve andar tão aos caídos que já não tem mão nem sequer nos seus… gajos de mão.
À vontadinha, mas…
Enquanto o povo já não sabe se há de olhar para esta choldra ignóbil e abominável de país com vontade de rir ou de se pendurar num eucalipto pelo pescoço, a seleção do espanhol Roberto Martínez entretém-se em Vaduz com as mãos nos bolsos e uma perna às costas (expressão curiosa porque devia revelar facilidades no caminhar e não parece) procurando ignorar que Benfica e Sporting andam de cabeça à roda sem perceber ao certo o que lhes aconteceu no dérbi e que essa antiquíssima e sólida como betão instituição das Antas afinal é um saco de gatos no qual há sempre aquele Tareco do costume a pôr-se a jeito para ficar bem com quem se sair bem de tamanha confusão, se é que há espaço para alguém vir a sair bem de tal lodaçal. Cá por mim, já estou como o Vicente, mestre de obras d’Os Maias: «Era metê-los a todos num navio e afundá-lo à vista da gente, ali na barra do Tejo».
Ontem, em Vaduz, Portugal venceu o Liechtenstein por 2-0, com golos de Cristiano Ronaldo (marcou o 128.º golo pela seleção nacional), e João Cancelo, e domingo em Alvalade, frente à Islândia (até já nos esquecemos a carraça que foi no Euro-2016 do nosso contentamento) para a despedida do mais fácil de todos os apuramentos da já centenária história da seleção nacional, há pelo menos alguns momentos lúdicos que nos permitirão perceber se Martínez está, de facto, a criar um conjunto capaz de voltar a ambicionar ir para além da primeira eliminatória das grandes competições, assumindo-se como, vá lá, não um daqueles candidatos de estadão, mas pelo menos um ‘outsider’ que não nos envergonhe por demais na altura de medir força com as Bélgicas e os Marrocos que deviam ter medo de nós e não nós deles. As recentes exibições foram plenas de graça e de elegância, tiveram consigo, a ajudar, resultados bastante ambiciosos, mas depois dos fracassos do último Europeu e do último Mundial, dos quais, não vale a pena estar com meias medidas, saímos pela porta do cavalo, a sombra da dúvida continuará a pairar sobre nós até que, finalmente, surja algo que nos dê uma restiazinha de orgulho para que não sejamos de vez engolidos pela queiroziana lesma fétida cujo cheiro parece ter-se entranhado de vez na sola dos nossos desgraçados sapatos sempre metidos na lama a cada passada que vamos dando. E enquanto não se pode levar avante a magnífica ideia do Vicente fique-se com a satisfação de não se poluir a barra do Tejo com gentalha tão mal amanhada. Que esta choldra já se tornou maldição