Não acompanho a opinião de alguns comentadores que criticaram asperamente a comunicação de António Costa na noite de sábado passado. É certo que não faz grande sentido, com uns suspeitos ainda a serem interrogados, o primeiro-ministro vir – nessa qualidade – justificar e defender o comportamento dos visados no processo. Tal pode ser interpretado como uma pressão ilegítima sobre a Justiça. Mas não podemos esquecer que António Costa ainda é primeiro-ministro em plenitude de funções e ficará mais quatro ou cinco meses à frente do Governo, pelo que tem lógica que venha clarificar um caso em que também está envolvido.
E a sua explicação faz sentido: a burocracia em Portugal é imensa, o país precisa de investimentos estrangeiros, pelo que, nalguns grandes projetos, se justifica uma intervenção especial do poder político para ultrapassar entraves e acelerar procedimentos.
Repito: faz sentido.
Mas é inevitável colocar uma questão: António Costa está como primeiro-ministro há oito anos, antes disso passou por vários Governo e por vários cargos no Governo, e só agora se deu conta daquele problema?
Só agora percebeu que há projetos que necessitam de um empurrão ao mais alto nível?
Até agora tinha andado distraído?
E acrescente-se que essas práticas não nos valorizam perante o estrangeiro.
Quando investidores estrangeiros percebem que só intercedendo junto de ministros e de chefes de gabinete, eventualmente prometendo-lhes luvas ou outros benefícios, os processos avançam, ficam com uma péssima ideia de Portugal.
E outros eventuais investidores desistirão de aqui investir.
Já no Freeport foi assim, com as tristes consequências que conhecemos.
O próprio António Costa sabe muito bem que a promiscuidade entre políticos e interesses económicos é indesejável. Almoços e jantares particulares de ministros com empresários, não tendo qualquer importância como contrapartidas, criam relações pessoais e dependências que são muito difíceis de gerir.
Um ministro tem de se dar ao respeito.
E aqui começa a primeira dúvida relativamente à ligação de António Costa a este caso: ele não sabia desses almoços e jantares, dessas intimidades, designadamente do ministro João Galamba? E, sabendo, aprovou-as ou não?
Indo mais longe: por que protegeu tanto João Galamba, ao ponto de arranjar um problema com o PR? Que laços ou compromissos havia entre os dois para Costa o defender para lá dos limites do razoável? Teria alguma coisa a ver com este caso?
E falando de Galamba, é inevitável falar de Lacerda Machado e de Vítor Escária.
Era difícil António Costa não saber – mais que não fosse por terceiros – das démarches que os dois também iam fazendo neste projeto de Sines.
E dava-lhes cobertura ou não?
Na sua comunicação ao país, Costa tentou desembaraçar-se de ambos, «atirando-os para debaixo do comboio», na metáfora feliz do líder da IL.
Para enfatizar esse corte, António Costa foi cruel – ao dizer que Escária traiu a sua confiança e que a sua conduta o «envergonhou», e que Lacerda Machado não podia ser considerado seu amigo, porque um primeiro-ministro não tem amigos (e, quando o classificou assim, foi «muito infeliz»).
Costa podia ter dito as coisas doutro modo; mas já sabemos como é implacável nestes momentos: veja-se como assassinou António José Seguro.
O problema é que, se António Costa pode demarcar-se agora do amigo e do chefe de gabinete, não pode apagar o passado. E o passado é este: foi ele quem convidou Lacerda Machado para acompanhar, em seu nome ou no do Governo, alguns grandes dossiês, a começar pelo da TAP, e nestes processos Machado era visto como o seu representante.
Quanto a Escária, Costa foi buscá-lo sabendo o papel que ele tinha tido junto de Sócrates e as suspeitas que sobre ele recaíam (o que sugere que foi mesmo por isso que o chamou para junto de si: pela sua experiência em ‘ultrapassar legalidades’).
Acredito na honestidade de António Costa e os argumentos que usou fazem sentido em teoria.
Mas não se livra da embrulhada das suas relações com Galamba, Escária e Lacerda Machado; por que razão os protegia e os mantinha no seu círculo íntimo.
É este o seu grande problema.
Por mais que agora os deite para debaixo do comboio, o processo dos quatro está intimamente relacionado.
Uma última nota: o comportamento de Mário Centeno, ao dizer que foi sondado pelo Presidente para chefiar o Governo, é bem revelador do clima de mentira que envolvia indivíduos próximos do primeiro-ministro.
Clima esse que, noutro plano, os 76 mil euros encontrados escondidos no gabinete do chefe de gabinete ilustram bem.
António Costa era sério mas rodeava-se de pessoas pouco escrupulosas.