Ainda muito jovem começou por fazer parte do elenco da novela Chiquititas. No seu processo evolutivo participou na série juvenil Morangos com Açúcar – Férias de Verão, e teve uma participação especial nas séries televisivas Os Filhos do Rock e Bem-Vindos a Beirais. Pelo caminho que tomou, não foi de estranhar que, em 2015, tivesse sido distinguido com o Globo de Ouro – Ator Revelação do Ano. O jovem que deixou que as coisas acontecessem por acaso está de boa consciência com a profissão de ator, acredita naquilo que faz e acredita nele. Aos 34 anos, mais experiente e com mais conhecimentos, tem um currículo com vários projetos em televisão, cinema e teatro. É considerado um dos novos valores da arte da representação e tornou-se um ator bem conhecido do grande público. Contudo, os amores de Tiago não se limitam à representação – parte importante da sua vida – e à família, que cresceu em setembro com o nascimento da sua filha. Desde muito novo que o desporto faz parte da sua vida, e nos últimos anos tornou-se um fã incondicional do triatlo e vive o dia a dia com grande intensidade.
Ainda muito jovem, aproveitou as férias de verão para fazer um curso de técnicas de ator. Sem saber muito bem ao que ia, Tiago Teotónio Pereira gostou da experiência e decidiu continuar no mundo da representação. Tornou-se ator por mero acaso?
Comecei a representar aos 15 anos sem pensar muito nisso, até porque quando era mais novo era um pouco tímido. Os meus amigos estudavam em escolas diferentes e tínhamos férias desfasadas, foi então que segui o conselho da minha mãe e fui fazer um workshop de forma a estar entretido no mês em que os meus amigos estavam de férias e eu não. Vi um curso de iniciação às técnicas de ator na ACT. Pensei que devia ser giro e inscrevi-me. Foi a primeira experiência e gostei bastante. Quando terminei o curso decidir investir mais na formação e seguir o caminho da representação. O início não foi fácil. Nessa altura não havia agências de atores, só havia agências de modelos e achavam que eu era muito pequeno. Foi tudo ao acaso até que fui selecionado num casting para a participação na novela Chiquititas e depois fiz a Lua Vermelha. Estive depois seis anos a fazer pequenas participações em novelas, mas nada de significativo. No período em que tinha pouco trabalho decidi tirar um curso de gestão de marketing, se não fosse ator gostaria de estar ligado a uma atividade criativa e ser copy. Entretanto comecei a entrar em várias novelas e a coisa correu bem até hoje. Gosto do que faço e acho que as pessoas também gostam.
A aposta na formação fê-lo arregaçar as mangas e viajar para os Estados Unidos, onde as coisas verdadeiramente acontecem. Como surgiu essa ideia?
O dinheiro que ganhei na Lua Vermelha investi na formação e fui três meses para a escola de atores Liz Strasbourg, em Los Angeles. Vivi num hostel na rua da escola e partilhava o beliche com uma amiga que também é atriz. Foi incrível.
Até que ponto esse investimento foi importante na sua carreira?
Foi ótimo por aquilo que aprendi e pelo partilhar de experiências. Os cursos eram para alunos de todo o mundo, conheci pessoas de Bollywood [indústria cinematográfica indiana], estive com atores alemães, com um japonês que é atualmente um realizador muito importante. Trouxe também comigo o sonho americano. Vim com uma maior noção da realidade e a certeza de que é esta a carreira que quero fazer. Quero ser conhecido no meu país, antes de me aventurar para grandes voos.
Que grandes voos são esses?
Sou muito exigente comigo e gostava de fazer um projeto internacional. Tenho bastantes referências com quem gostava de trabalhar. Ainda tenho muito a aprender. Há tanta coisa a acontecer, estou a fazer selftapes, mas muitas vezes não depende só de nós, também é preciso um bocadinho de sorte. Mas acredito que ainda vai acontecer.
Enquanto isso não acontece, e com os pés bem assentes em Portugal, quais são os próximos projetos?
Acabei agora uma série sobre o Rui Nabeiro e estou a fazer um filme sobre Álvaro Cunhal e a fuga da prisão de Peniche, vai ser uma série para televisão e depois deverá estar nas salas de cinema no próximo ano. Faço o papel do guarda Jorge Alves, que foi subornado e fugiu com o grupo. Gosto muito de fazer filmes de época e de conhecer um pouco da nossa história.
Já fez televisão, cinema e teatro, qual a sua preferência?
Não sei muito bem responder. Gosto é de trabalhar em bons projetos e com boas equipas, seja na televisão ou cinema. Já tive várias desilusões em termos profissionais, por isso, hoje em dia, dou mais valor a trabalhar com boas pessoas do que estar a fazer um projeto XPTO sem ter um bom realizador e sem haver um bom ambiente de trabalho.
Mas a sua vida não é só a representação, disse ser viciado em desporto, o que significa isso?
Fiz desporto toda a vida. Sou hiper ativo e sinto necessidade de fazer atividade física. Qualquer desporto traz benefícios a vários níveis e acho que sou viciado por isso mesmo. Joguei râguebi no CDUL durante sete anos e ao mesmo tempo fazia surf. Como era magrinho eles queriam que eu fosse ao ginásio e começaram a exigir muitas coisas e acabei por optar pelo surf de competição. Há dois anos fiz o campeonato nacional e acho que vou fazer surf toda a minha vida.
Mais recentemente tornou-se fã incondicional do triatlo e participou numa das provas físicas mais exigentes do mundo, o Ironman de Cascais, que incluiu 3,8 quilómetros de natação, 180 quilómetros de ciclismo e 42,2 quilómetros de corrida. A prova começou e terminou na Baía de Cascais, e passou pelo Parque Natural de Sintra-Cascais, autódromo do Estoril e Lisboa. A Ironman é uma experiência inspiradora e emotiva, mas é também uma corrida extremamente dura. Só de pensar nos quilómetros a percorrer, muitas pessoas ficam cansadas. Enquanto atleta como define a prova?
Já tinha feito a meia-maratona algumas vezes e achei que era um desafio fantástico. Sempre gostei de desporto e o Ironman é a prova mais emblemática para um desportista. De início quando vi o plano de treino de 20 horas semanais achei que era muito. Disse ao meu treinador que quando fosse pai iria mudar a minha vida, deixar de sair tanto, e, nessa altura, preparava-me para participar. Quando a minha filha nasceu inscrevi-me e comecei a treinar.
Para enfrentar tamanho desafio é preciso boa preparação física. Seguiu um plano de treino específico?
Sim, claro. Mas como gosto mais de treinar do que de competir com os outros foi fácil. Se não treinar todos os dias sinto que me falta alguma coisa. O meu programa é simples: na segunda-feira faço bicicleta e corrida, na terça é sempre natação e corrida, na quarta é bicicleta, quinta faço natação e corrida, na sexta ando de bicicleta, no sábado é natação e corrida longa e no domingo bicicleta longa.
É mesmo todos os dias, ou de vez em quando faz gazeta?
É mesmo todos os dias. Há alturas em que não me apetece fazer nada, mas o triatlo exige muita disciplina e resiliência. São coisas que levo para a minha vida profissional e pessoal.
Nem aos fins de semana abranda o ritmo?
Nem isso, é nesses dias que tenho mais tempo livre e faço os treinos mais longos de corrida e bicicleta. Treino como um profissional, só que depois os profissionais não têm de ir trabalhar.
Tem alguma disciplina em que se sente mais à vontade?
Adoro andar de bicicleta e correr, a natação é o que gosto menos. Para se nadar rápido é preciso muita técnica e tirar os vícios da natação livre.
O tempo máximo para completar a Ironman é de 17 horas, mas os melhores fazem a prova em menos de nove horas. Está satisfeito com o seu registo?
Tenho de melhorar. Depende do percurso, mas os profissionais fazem oito horas e meia, os outros estão abaixo das dez horas e os restantes fazem a prova abaixo das 11 horas, é nesta categoria que me encontro. Fiz 10h40, mas vou treinar mais para fazer menos de dez horas sempre a fundo, nem uma paragem para apertar os atacadores.
O que lhe passa pela cabeça durante essas horas todas?
Começa por ser uma euforia tanto dos participantes como dos acompanhantes. Naturalmente que ao nadar quase quatro quilómetros, pedalar 180 quilómetros e correr uma maratona há muitos altos e baixos, mas esta é uma prova de superação pessoal e tinha a certeza que estava preparado para fazer a Ironman, a questão era saber que tempo ia fazer. Se uma pessoa treinar bem e for resiliente consegue fazer a prova. Quando acabou disse que nunca mais iria fazer um Ironman, mas um dia depois já estava a ver onde era a próxima prova. Outra coisa que me passou pela cabeça foi: ‘estou o dia todo a fazer desporto e ainda tenho a minha mulher a aplaudir’.
Alguma vez pensou que não iria acabar uma prova?
Se uma pessoa treinar bem consegue fazer o Ironman. Sempre estive confiante, isso é fundamental para a prova correr bem, mas há momentos em que aparecem os “demónios” e pensei em desistir, achava que ia rebentar. Há muitos quilómetros que sou eu contra os meus “demónios”. Nesses momentos uma pessoa tem de se superar e tentar correr mais depressa para ganhar o desafio, se o conseguir fazer tem a satisfação de chegar ao fim. Tanto no Ironman como nas maratonas há sempre uma altura em que levamos uma “martelada”, parece que batemos contra uma parede. Na maratona é por volta do quilómetro 27, passada essa fase já não se pensa em nada. No Ironman, sempre que acabo uma modalidade e começo outra faço reset e isso ajuda, quando chego à corrida só penso em terminar a prova.
Mas sempre foi assim, quer contar o que se passou na Maratona de Sevilha?
Mal acabei a prova atirei-me para o chão e depois não me conseguia levantar. Tiveram de me tirar da linha de meta em cadeira de rodas. Tinha os meus amigos a apoiar-me e a querer ir beber uns copos, mas fiquei três horas a levar soro para recuperar, só depois fui festejar com eles.
Sendo uma figura pública, de que forma isso está presente quando faz o papel de atleta?
Sinto bastante o apoio das pessoas e acho espetacular. Há pouco tempo estava mascarado de ciclista, com capacete, óculos e fato de licra, e só ouvia gritar o meu nome. Nem eu me reconhecia, mas as pessoas, em Estremoz, estiveram sempre a apoiar-me. Também já fui surpreendido em Sevilha. De início pensava que era a minha família ou amigos, mas depois percebi que eram pessoas que eu não conhecia que estavam a assistir à prova.
A dedicação ao desporto condiciona a vida particular e social?
Tento que não. Adapto os horários para que possamos estar mais tempo juntos, adoro por a minha a filha a andar de skate e de bicicleta. Acho que o meu maior desgosto é se os meus filhos não gostarem de desporto. Muitos dos meus amigos também são desportistas e estão no mesmo registo, mas não deixo de sair e fazer umas jantaradas, é a vantagem de não ser profissional.
E projetos para o futuro?
Tenho muitas ideias para os próximos anos. Em 2024 vou fazer três maratonas, mas o meu principal objetivo é participar nas seis principais maratonas que são: Boston, Berlin, Londres, Nova Iorque, Chicago e Tóquio. Esse é o meu principal objetivo para os próximos anos, mas vou também continuar a fazer os Ironman.
Gostando tanto de desporto porque decidiu ser ator e não desportista?
Podia ter sido, mas não ia gostar. Se fosse profissional ficava mais limitado e isso tirava-me o prazer. Gosto de ser eu a decidir, se fosse obrigado a cumprir as exigências dos atletas profissionais perdia o encanto do que é o desporto para mim e não ia correr bem. Além disso não gosto da pressão de ter de obter resultados como acontece com os profissionais.
Como é que concilia o trabalho de ator com o treino?
Quando estou a fazer novelas tenho gravações todos os dias e a horas diferentes, depois tenho a vida familiar, mas dá sempre para fazer qualquer coisa ao fim da tarde ou, então, acordo mais cedo. Tenho um treinador, o Lino Barruncho, que me ajuda a programar o treino.
Quanto tempo dedica ao treino?
Depende dos dias, mas faço normalmente entre 14 e 17 horas semanais. A preparação para a Ironman é mais intensa e faço cerca de 20 horas por semana. Quando vou fazer maratonas, o treino incide mais na corrida.
Em 2020, alargou os seus horizontes com a inauguração do hostel Mute, em Porto Covo, com excelente localização, mesmo frente ao mar. Não foi a melhor altura para começar um projeto novo devido à pandemia, mas resultou. Na inauguração, o ator que não gosta de ser tratado por empresário, escreveu sua conta de Instagram «Um sonho». Como surgiu esta ideia?
Não tem nada a ver com a outra minha vida profissional, mas que vem da paixão que eu e três amigos de infância temos pelo surf. Pelo nosso estilo de vida, sempre pensámos em ter um Surf Camp, e começámos isto um pouco à maluca. Depois de muitos anos a tentar, abrimos o Mute em 2020, em plena pandemia, e está a correr bem. De repente percebemos que o Mute é muito mais do que um Surf Camp, pois alberga caminhantes, quem faz a costa de bicicleta e o típico cliente que vem apenas fazer praia aos fins de semana.
Como se sente no papel de empresário?
Não acho muita graça ao termo empresário (risos), isso é mais com os meus sócios, mas completamo-nos muito bem. Como tenho formação em marketing, trabalho mais a ativação da marca Mute, e há muitas coisas interessantes para fazer aqui.
Porque razão escolheram Porto Covo?
Era para aqui que vínhamos passar férias e fazer surf. Além disso, tem ondas incríveis e ótimas condições para andar de bicicleta, correr e nadar. Para quem gosta de caminhar há uma coisa fantástica que é o Fisherman’s Trail, um trilho que começa em Porto Covo, faz toda a costa alentejana e termina em Sagres. Esta zona é incrível, está tipo Califórnia da Europa.
O nome Mute tem algum significado especial?
O nosso lema é: “Sound on, noise off”, ou seja, queremos que as pessoas tenham um estilo de vida ativo e desliguem do barulho quando estão aqui. Temos a ideia de levar este conceito para outros pontos do país, vamos ver se conseguimos.