Um dia, por mero acaso, reparei que o meu filho bebé não tinha a língua uniforme. Numa gritara de choro dei conta de uma textura estranha e desenhada. Nunca tinha reparado em língua nenhuma e assustei-me. Vesti a criança e levei-a ao hospital temendo uma infeção ou uma qualquer coisa de anormal que precisava de cuidados imediatos. Sabia que nunca mais dormiria se ele não fosse visto por um especialista. Pulseira verde, horas de espera e finalmente o veredicto: “O seu filho tem a língua geográfica. Acontece. É como ter as orelhas grandes ou o nariz bicudo”. Senti-me estúpida e voltei para casa num misto de humilhação e alívio. Outra vez a minha filha queixou-se de um altinho nas costas que lhe doía. Era uma espécie de borbulha saliente e cinzenta. Lá fui eu para as urgências. Mais uma pulseira verde, horas de espera e outro veredicto humilhante: “A sua filha tem uma nódoa negra”. Não contei a ninguém e senti-me ainda mais estúpida do que da primeira vez. Outro dos meus bebés, com semanas de vida, começou a tossir e o leite que tinha acabado de beber saía-lhe pelo nariz. Mais um susto e mais uma voltinha ao hospital. “Andou a brincar com ele depois de lhe dar leite?”, perguntou o médico. Sim, respondi timidamente, temendo nova humilhação. “Pois: ele engasgou-se e o leite saiu pelo nariz. Foi isso”. Pedi desculpa e mais uma vez não contei a ninguém. Também já fui às urgências de pediatria com os meus filhos por causa de infeções respiratórias, bactérias, diarreias e vómitos, pernas partidas e até panarícios. Já passei natais nos míticos SO de pediatria, semanas com eles internados e também evitei as urgências quando devia ter lá ido mais cedo.
Uma das vezes foi quando um dos meus filhos caiu duas vezes das escadas dois dias seguidos com o andarilho. Alguém, que ainda não descobrimos, deixou o portão das escadas aberto e a criança seguiu o barulho que vinha do andar debaixo precipitando-se pelas escadas. Como não vomitou, dormiu bem, só chorou do susto e não tinha um arranhão, atrasei a ida às urgências. Se souberem disto, a CPCJ entra-me pela casa a dentro e leva-me a criança, pensei. Não vou arriscar. E correu bem: atirei fora o andarilho. Devo muito da minha vida de mãe às urgências hospitalares. A todos os auxiliares, enfermeiros e médicos que viram os meus filhos crescer, que me aturaram e foram verdadeiros pais e mães quando eu não sabia o que fazer. Que me educaram e ensinaram a dar uma colher de chá de cinco em cinco minutos às crianças quando as diarreias e os vómitos as desidratavam, me explicaram que a febre não é doença, que as covinhas no peito é sinal de perigo nas infeções respiratórias e que a tosse de cão se cura com chá de cebola e cenoura e não com antibióticos.
As urgências de pediatria são a única porta aberta para pais desesperados, com ou sem razão, mas desesperados. Não existe mais nenhuma. E nenhum pai consegue descrever o seu desespero por telefone. Todos querem que o seu filho seja visto por alguém de bata branca com urgência porque tudo num filho é urgente. Tentar educar pais a não irem às urgências e ligarem para as linhas de saúde é como tentar explicar a alguém que deve ligar à assistência do gás quando tem um fogo em casa. Não resolve nem sossega.
Levar os filhos às urgências
As urgências servem para acalmar o desespero dos pais. Tenha fundamento ou não. Para eles, tudo nos filhos é uma urgência e nenhuma se resolve pelo telefone.