Queridas Filhas,
Um estudo recente estimou cerca de um milhão e meio de portugueses e lusodescendentes a viver nos USA. Três milhões e meio são estimados noutros países. Para um total de cinco milhões de portugueses e lusodescendentes a viver fora de Portugal. Isto representa metade da população a viver dentro das fronteiras de Portugal. A maioria em países mais ricos que Portugal. A grande proporção na população ativa. Sendo que muitos regressam a Portugal aquando da sua reforma. Estes cinco milhões são um rico recurso estratégico para Portugal!
Este recurso está pouco reconhecido e subaproveitado. Isto significa que há grandes oportunidades para quem o saiba fomentar, ativar e explorar nas próximas décadas. Isto aplica-se a estadistas, empreendedores, e líderes comunitários, académicos e culturais.
Historicamente os residentes de Portugal olharam para baixo com algum desprezo e vergonha para os nossos emigrantes. As primeiras ondas de emigração foram pessoas pobres, desesperadas, procurando ganhar o suficiente para ter uma casa e alimentação. Isso me foi transmitido quando ainda criança olhava para reportagens das comunidades portuguesas pelo mundo fora. Tenho dois comentários relativamente a esta visão: 1) O país mais rico e poderoso do mundo (USA) foi construído em poucas gerações por pessoas nas mesmas circunstâncias; 2) Nada desenvolve as virtudes, resiliência e capacidade de trabalho mais do que a capacidade de enfrentar e superar grandes dificuldades com as próprias mãos. Assim, esta comunidade de portugueses tem um espírito de trabalho, de luta e de iniciativa acima da média.
Este recurso está subaproveitado por dois fenómenos. O primeiro, é que Portugal mostra pouco interesse em organizar e desenvolver este recurso. Pouco se estudam as comunidades, e poucos eventos se organizam para fomentar a ligação e troca de ideia entre as comunidades e Portugal. Por exemplo, recentemente nasceu o conselho da diáspora portuguesa. Não só nunca fui contactado por esta organização (ou alguém que eu conheça) como olhando para a composição dos órgãos sociais vejo muitos que nunca trabalharam fora de Portugal, e quase todos nunca trabalharam fora da UE. Penso que o conselho da diáspora serve mais os conselheiros do que a própria diáspora.
O segundo, é o medo de quem fica em Portugal da competição do talento português que vem de fora. Muito talento luso está fora de Portugal. Isto vê-se bem com os futebolistas. Mas também temos investigadores de topo nas universidades americanas, vencedores de prémios Pulitzer de jornalismo, artistas de renome e governantes estaduais e federais. Há alguns anos em jantar com um neurocientista com vários artigos e livros publicados ele confidenciava-me que as Universidades portuguesas nunca o haviam contactado e evitavam que ele fizesse trabalho em Portugal.
Organizar e ativar esta comunidade não é simples. Primeiro porque precisamos de evoluir de uma mentalidade de soma nula (o que tu ganhas é o que eu perco) para uma mentalidade de criação (juntos conseguimos criar um bolo maior). Segundo porque precisamos de deixar de olhar para as fronteiras de Portugal como única área de criação e abrir a ambição de criar e crescer no mundo ocidental em que Portugal se insere. Finalmente porque não temos exemplos de líderes de diáspora portugueses do passado a seguir. Teremos de nos inspirar no excelente trabalho feito pelas diásporas de Israel e Índia.
A nossa família está a 100% na diáspora e este trabalho é a minha principal prioridade de serviço comunitário até ao fim dos meus dias.