Consumo. Comércio e restauração sem expectativas elevadas

Apesar de ser uma época de gastos extra, os responsáveis dos setores admitem ao i que o aumento do custo de vida poderá ter impacto nos gastos habituais. Deco pede cautela.

Natal também é sinónimo de consumo. Desde prendas, a almoços ou jantares fora. Mas tendo em conta o atual contexto de incerteza económica, os consumidores preveem reduzir as suas compras de Natal. Segundo o mais recente Consumer Health Index da Bain & Company, 40% dos consumidores admitem reduzir os seus gastos na quadra natalícia deste ano face à época passada.

Uma opinião partilhada por vários responsáveis de setor contactados pelo i.

Vasco Melo, dirigente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, admite que o comércio já está a sofrer alguma retração do consumo, o que irá ter impacto nas vendas de Natal. E refere que ver muitas pessoas na rua não significa maior consumo. “Por exemplo, a zona da Baixa tem imensa gente nas ruas, mas a questão é saber se consomem realmente e o que é que consomem. Maior tráfego não quer dizer mais consumo, claro que ajuda, mas notamos alguma retração”.

O responsável chama ainda a atenção para o facto de o aumento do custo de vida ter impacto para o comportamento dos consumidores. “Apesar da inflação ser um problema, já não é tão grave porque está mais ou menos controlada, o problema é que os rendimentos das pessoas não acompanham o aumento das taxas de juro e os custos da habitação continuam a subir”.

Ainda assim, refere que há promoções, como o Black Friday e a Cyber Monday que permitem antecipar compras e poupar dinheiro. “É uma estratégia utilizada não só pelos comerciantes das grandes cadeias de distribuição como também pelos comerciantes do comércio independente que permitem ganhar algum peso nas compras”.

Aliás, de acordo com os dados do Observador Natal 2023 da Cetelem, mais de metade dos portugueses (55%) aproveita as promoções da Black Friday e da Cyber Monday para antecipar compras e poupar dinheiro. No entanto, sete em cada dez dos inquiridos (70%) prefere adiar algumas aquisições e aproveitar os saldos de janeiro para as fazer, para não se endividar nesta fase. “Fruto da conjuntura, marcada pelo agravar da situação económica de muitas famílias, antecipar ou adiar compras é a estratégia encontrada por cada vez mais consumidores para poupar e manterem equilibrados os seus orçamentos familiares”, refere em comunicado.

Preparados para um abrandamento Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) apesar de reconhecer que a época de Natal e de fim de ano ser tradicionalmente “bastante benéfica” para as atividades económicas de restauração e do alojamento, uma vez que costumam registar aumentos de faturação, sobretudo devido às habituais celebrações de empresas, familiares e amigos mostra-se prudente em relação a um eventual aumento da procura. “É preciso ter em conta que estamos a atravessar um período muito conturbado e o aumento do custo de vida parece não estar a acompanhar a desaceleração da inflação. Neste sentido, apesar de acreditarmos que esta quadra festiva em ‘época baixa’ pode ser muito importante para o reforço de tesouraria das nossas empresas, temos de estar preparados para um eventual abrandamento do consumo devido à perda de poder de compra das famílias”, refere Ana Jacinto ao i.

Mas acrescenta: “A avaliar pela tendência crescente das receitas turísticas internacionais que, de acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal cresceram 20,3% no acumulado a setembro em termos homólogos, para 20,2 mil milhões de euros, também acreditamos que nesta quadra festiva a chegada de mais turistas estrangeiros ao nosso país pode colmatar a eventual quebra do consumo interno”.

Dinheiro extra faz soar alarmes Mas se o Natal é sinónimo de gastos extra também representa uma época de encaixe financeiro extraordinário já que, nesta altura, a maioria dos portugueses está prestes a receber o subsídio de Natal. Uma situação que faz soar alarmes junto de Natália Nunes, coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco.

“Nesta altura do ano, a maioria das pessoas recebe o subsídio de Natal e mais do que nunca as pessoas têm de ser agora muito responsáveis, muito prudentes na utilização desse verba. O ideal é não ser todo para gastar, mas o que muitas vezes vemos são as pessoas a não fazerem um bom planeamento deste dinheiro. O que gostaríamos é que as famílias fizessem uma boa gestão desse valor para que uma parte fosse para gastar com as festas, outra parte fosse para regularizar encargos que existem e outra que fosse destinada verdadeiramente à poupança”, refere ao nosso jornal. E lembra que “se não tivessem sido as poupanças que foram feitas durante a pandemia possivelmente a situação de muitas famílias seria muito pior do que é a atual”, o que a leva a referir que “isso é um alerta para as famílias conseguirem poupar uma parte do subsídio”.

No entanto, a responsável admite que essa tarefa de poupança tem sido cada vez mais difícil de alcançar face ao aumento do custo de vida, nomeadamente devido à subida das prestações do crédito à habitação, ao aumento das rendas, entre outros. Por outro lado, reconhece que esse descontrolo é compreensível porque entende que têm sido tempos muito difíceis. “Temos muitas famílias que estiveram sufocadas durante este ano todo, agora deparam-se com algum rendimento extra e pensam ‘já passei 11 meses a controlar-me, agora também vou aligeirar um bocadinho todo este controlo e depois, por vezes, esse sentimento leva a algum descontrolo. É isso que pretendemos que seja evitado”.

Outra regra de ouro, de acordo com Natália Nunes, passa por fazer um orçamento para esta época. “Deve-se planear muito bem o que se vai gastar, onde se vai gastar, como se vai gastar e usar muito a criatividade e a imaginação para fazer almoços e jantares de Natal mas não gastar muito. Ou dar prendas sem que isso provoque um grande rombo no nosso orçamento familiar”.

O ideal, segundo a mesma, é também fazer as compras de forma antecipada. “Não se deve guardar para a véspera, caso contrário, todas as compras são feitas a correr, sem haver a possibilidade de se fazer uma comparação de preços e muitas vezes leva a que se gaste muito mais”.