Depois de se referir ao recém-investido governo como um «muro de democracia», Pedro Sanchéz anunciou a atribuição das pastas ministeriais – vinte e duas, incluindo quatro vice-presidências – e os ministros, com nove caras novas, já juraram a constituição perante o Rei, dando início à XV Legislatura. É a mais controversa da democracia espanhola e as manifestações continuam, tanto nas sedes do PSOE como na Moncloa, sede do executivo.
Os perigos da centralização
A nomeação de Félix Bolaños é talvez a mais polémica e a que levanta maiores preocupações quanto à separação de poderes: a fusão do ministério da Presidência e das relações com as Cortes com o da Justiça – liderado por alguém que afirmou que «os juízes não podem eleger juízes» – tem inquietado a opinião pública, preocupada com a politização do poder judicial. Ficam assim concentrados, num único ministério, os três poderes de um Estado de Direito, que são apenas funcionais e democráticos quando independentes, deixando clara a intenção de Sanchéz de ter um «punho firme» neste período atribulado pelo acordo que fez com as forças independentistas. Ainda assim, a polémica não se reduz a Bolaños e ao seu novo ministério: incomodada com a «discriminação», a ministra da Igualdade, Ana Redondo, fez um reparo na sua jura perante o Rei. «E ministras, claro» acrescentou Redondo ao texto onde se lê «assim como manter o segredo do Conselho de Ministros». Filipe VI reagiu com um sorriso. Ficou popular também um vídeo publicado por Sira Rego, nova ministra da Juventude e Infância, em abril, em que se faz acompanhar por uma bandeira republicana ao som da Internacional. Ainda na terça-feira, o Supremo Tribunal anulou a ascensão de Dolores Delgado a procuradora-geral por «desvio de poder visível e inegável».
Os debates sobre a imoralidade, inconstitucionalidade e ilegitimidade deste governo estão acesos, e um grupo de 150 intelectuais espanhóis assinou um manifesto focado nos perigos desta legislatura: «Os abaixo assinados, representantes ativos da cultura, escritores e intelectuais (…) queremos manifestar perante a opinião pública a nossa mais profunda preocupação pela inquietante deriva política». Acrescentam que o acordo irá causar «o aumento da tensão entre territórios e setores da população, o injusto desequilíbrio fiscal entre comunidades (…) e a perda de igualdade entre espanhóis». Esta breve passagem do manifesto contraria a justificação de Sanchéz para a realização dos acordos: a convivência entre espanhóis.
O investidores latino-americanos começaram já, de forma maciça, a retirar os seus empreendimentos do país, enquanto a presidente do Congresso, Francina Armengol, anunciou que não serão realizadas sessões de controlo até dia 12 do próximo mês.
Rotura à direita?
Os dois partidos que mais fortemente se opõem aos acordos que permitiram a formação do novo governo, o PP e o VOX, atravessam um momento de tensão. As duas forças políticas foram responsáveis – e o VOX continua a ser – pelas manifestações, mas a retirada do PP do movimento, anunciada por Alberto Feijóo, criou uma rotura no bloco da oposição: «Nós não vamos participar [nas manifestações em Ferraz]. Se há algum cidadão que o queira fazer, desaconselhamo-lo». A inércia do PP quanto ao bloqueio já tinha criado atrito, e agora pode ter sido a gota de água.
O VOX continua a ser o líder das manifestações, nas quais a ação policial tem sido alvo de críticas. Na passada segunda-feira, nas já rotineiras manifestações em Ferraz, o jornalista Vítor Quiles foi detido e pernoitou nas instalações policiais antes de ser libertado na manhã seguinte: «Detiveram-me ilegalmente. (…) Procuram amedrontar-nos para que não se proteste», escreveu Quiles na sua conta do X. A atuação perante manifestantes maioritariamente pacíficos – que não destruíram montras nem saquearam lojas – levanta ainda mais preocupação quanto à saúde da democracia no país dos ‘nuestros hermanos’, que agora se encontram perante o muro de Sanchéz. l
goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt