Papa volta a pôr travão na Igreja alemã

Os leigos e sacerdotes alemães querem criar um comité que mande mais do que os bispos, mas o Vaticano não está para aí virado. Temas fraturantes terão de esperar pelo final de 2024.

A Igreja alemã insiste, insiste, insiste, mas não parece que vá ter grande sorte nas suas pretensões, pois o Papa Francisco, na semana passada, através de uma carta em resposta a quatro mulheres, teólogas e filósofas, voltou a explicar que não quer ovelhas tresmalhadas no seu rebanho.

Vamos então à missa papal, explicando o que está em causa. No processo sinodal alemão, que antecedeu o dos Bispos – realizado em outubro no Vaticano, e onde também participaram leigos e leigas –, ficou decidido por 230 intervenientes, entre os quais bispos, padres, leigas e leigos, que o foco dos grupos de trabalho devia assentar na “bênção de casais do mesmo sexo, mudanças na moralidade sexual, celibato sacerdotal, poder clerical, combate ao mal do abuso, o papel das mulheres, com um foco especial no diaconato feminino e a possibilidade de ordenação sacerdotal de mulheres”, conforme escreveu o Vatican News. Incomodados com o destino seguido, as quatro delegadas abandonaram o caminho sinodal alemão e decidiram agora escrever ao Papa a alertá-lo para os ‘desvios’ dos seus compatriotas.

O Papa voltou a revelar a sua preocupação com as intenções de parte da Igreja alemã e até citou a Carta ao Povo de Deus, de 2019, onde pedia que se “caminhasse no caminho certo, o do Evangelho, sem transcender para desvios funcionalistas ou reducionismo ideológico”, tendo então reforçado que o caminho sinodal alemão “não tem o poder de obrigar os bispos e os fiéis a novas formas de governo e novas abordagens à doutrina e à moral”.

Mas o que está verdadeiramente em jogo, além das questões ditas fraturantes exigidas por parte da Igreja alemã? Segundo um padre ligado ao processo, “a Igreja alemã quis criar uma estrutura que basicamente tivesse os leigos numa posição de decisão, a cima da Conferência Episcopal, que teria o nome de Comité do Sínodo”, algo que viola o direito canónico, e que o Vaticano já tinha dito, por mais do que uma vez, que “não há nenhuma instituição de um país com autoridade que se coloca acima dos bispos”.

O Deus dinheiro

Mas será que a Igreja alemã está toda unida na mesma direção? A resposta é negativa e entra dinheiro à mistura. Oiçamos outro sacerdote português. “Na Igreja alemã, tudo é dinheiro e qualquer decisão tem de ser unânime, porque qualquer decisão tem que ser paga por cada diocese. Como quatro bispos disseram que não a este comité decisório sobre os bispos, não há dinheiro para o criar, está neste momento bloqueado”. Ainda por cima, uma das dioceses mais fortes, e mais rica da Alemanha é a de Colónia – a catedral é o monumento mais visitado do país, em 2022 passaram por lá 4,3 milhões de pessoas – tendo o responsável da diocese escrito ao Vaticano para que o Papa se pronunciasse, de novo, sobre a validade da criação do tal Comité. Por norma, quando alguém quer ter uma resposta positiva ou negativa sobre determinado assunto, envia questões ao Vaticano, que responde, passando a ser lei essa resposta.

Assim, o arcebispo Rainer Maria Woeki perguntou ao Vaticano se podiam participar num eventual Comité, e, como é óbvio, a resposta foi negativa. Com essa ‘sentença’ em mãos, Woeki tratou de lhe dar visibilidade, até para acalmar os chamados progressistas.

Qual a razão então para parte da Igreja alemã, juntamente com os leigos, não quererem esperar pelo final de 2024, e as respetivas conclusões do Sínodo da Igreja universal, não confundir com outras paróquias, universal quer dizer Igreja Católica mundial. As questões dos abusos é que provocou esta discussão do surgimento do tal Comité, pois os bispos não têm ninguém acima deles e podem atuar à vontade: “Não vão com a cara de um padre e podem castigá-lo, por exemplo. São estas questões de abusos, além dos sexuais, que inquietam a Igreja alemã. O problema é que não há estruturas intermédias, os pontificados anteriores, João Paulo II e Bento XVI, esvaziaram as estruturas intermédias, as Conferências Episcopais não têm poder nenhum. A Conferência Episcopal pode votar um documento a dizer vamos fazer assim, se um bispo local, de uma qualquer diocese do país decidir ‘eu faço diferente’, tranquilo da vida. Não viola coisa nenhuma”.

Poderemos então estar à beira de um cisma na Igreja? Tem de novo a palavra o primeiro sacerdote do texto: “Não vai dar em nada, pois a Igreja alemã só decide por unanimidade e isso nunca vai acontecer. Não acredito que a Igreja alemã se vá partir ao meio. Já não estamos na altura dos cismas, isso já não acontece, não estamos na Idade Média”. E qual a razão para tantas polémicas? “A Igreja alemã não se compara a outras, pois está muito bem formada. Deve haver três ou quatro doutorandos em teologia por paróquia, passo o exagero. Os leigos têm uma grande formação, os bispos não falam de cima para baixo para os leigos, porque a maior parte deles tem mais formação do que os bispos. Os maiores exegetas, os maiores teólogos, não são padres, nem bispos, são leigos. É gente com muita formação, que conhece a história da Igreja, dos dogmas, a teologia, conhece tudo. Um bispo diz: ‘Isto nunca se fez assim’, e um leigo responde: ‘Ah não? Então no século XVII, nesta diocese, neste sítio não se passou assim? Já leu?’. ‘Não’, então vá ler, vá-se informar. Claro que isto muda completamente a relação entre bispos e leigos”.