Francisco Spínola. “Portugal tem  dos melhores eventos  de surf do mundo”

Francisco Spínola é diretor geral da World Surf League e aproveitou a qualidade das nossas ondas para trazer a Portugal a elite mundial do surf. Nesta entrevista falou-nos dos requisitos para estar na liga mundial, da evolução do surf e da sua importância para dinamizar algumas regiões.

A World Surf League (WSL) foi fundada em 1976 com o objetivo de divulgar e regular a prática do surf a nível mundial, e reúne todos os organizadores a exemplo do que acontece no ténis (ATP) e golfe (PGA Tour). Está dividida em quatro grandes regiões: Ásia Pacífico, América do Norte e Havai, América Latina e Brasil e Europa, Médio Oriente e África. Cada região reporta à casa-mãe, embora tenha bastante autonomia na organização dos eventos da liga mundial, uma vez que cada local tem a sua especificidade. Apenas as áreas do broadcast e landing page são comuns a todas as regiões. 

Surfista de longa data e responsável por trazer o World Championship Tour a Portugal, mais concretamente a Peniche, Francisco Spínola é, desde há quatro anos, o general-manager da WSL para a Europa, Médio Oriente e África. Tem a missão de estabelecer parcerias, supervisionar eventos e apoiar o desenvolvimento do surf sempre com o objetivo proporcionar uma boa experiência a surfistas e público. 

Há muito que está ligado ao surf como praticante e organizador. Como surgiu a oportunidade de ser diretor-geral de uma região da liga mundial?

Em 2009, realizei uma prova em Peniche que correu bastante bem. Estiveram presentes mais de 50 mil pessoas, e tanto os surfistas como os patrocinadores quiseram manter a prova. Como sabia que a costa portuguesa tinha grande potencial, decidi criar uma empresa, a Ocean Events, e ficar com a licença portuguesa do World Tour para organizar os eventos da WSL masculino e feminino, incluindo as competições de juniores e as Big Waves. A qualidade do trabalho desenvolvido ganhou a confiança da World Surf League e convidaram-me para ficar como presidente da região.

As competições da WSL representam o nível mais elevado do surf profissional, por essa razão os padrões de qualidade são igualmente elevados. Ser responsável por uma região que integra países tão diferentes é uma tarefa complicada. As condições e as exigências são muito diferentes?

Por melhores que sejam as condições para os atletas, se as ondas estiverem más o campeonato é péssimo, se as ondas forem boas o campeonato é excelente. Em provas de maior envergadura, caso da Ericeira e Peniche, é necessário ter uma estrutura grande para receber os surfistas e os milhares de pessoas que assistem ao evento, mas é assim em qualquer país. O principal desafio, nomeadamente em África, tem a ver com o Prize Money que é sempre pago em dólares. Na África do Sul, o prémio de um milhão de dólares significa cerca de 20 mil milhões de rands o que é uma quantia bastante elevada e, por vezes, torna-se difícil segurar esses eventos. 

Como é a sua vida no backstage dos maiores eventos mundiais?

Adoro o que faço. Grande parte do trabalho é realizado antes de a prova começar, durante a competição faço um pouco de relações públicas. É fundamental que a organização tenha uma ligação harmoniosa com os atletas, o diretor de prova, o chefe de juízes e os patrocinadores.

Organizar uma prova da liga mundial obriga a tratar dos protocolos de qualidade e segurança definidos pela WSL, negociar e contratar equipamentos, estruturas e staff, bem como a montagem e desmontagem. Quantas pessoas estão envolvidas nos eventos realizados em Portugal?

Tenho uma equipa muito experimente com quem trabalho há 15 anos, só assim é possível fazer com que tudo corra bem. Em Ribeira D´Ilhas, na Ericeira, estiveram cerca de 500 pessoas diretamente ligadas à prova e mil de forma indireta. Em relação aos juízes, há um painel que vai mudando em função da graduação do evento. A transmissão televisiva também depende do evento. As provas mais importantes exigem maior investimento na produção do produto televisão, temos KPIs [indicadores-chave de desempenho] de qualidade completamente diferentes em função do nível da prova.

Há uma qualidade standard em todas as provas ou nota-se alguma diferença?

Naturalmente que há diferenças. Portugal tem dos melhores eventos do mundo a nível de dimensão e organização. Isso deve-se a uma equipa bastante profissional que gosta de fazer as coisas com brio. Trabalhamos muito numa lógica de complementaridade, não é chegar aos sítios e impor as nossas ideias. Por exemplo, na prova de Ribeira D´Ilhas dispensámos o catering de outras empresas e trabalhámos com o restaurante da praia. Eles têm um carinho muito grande pela prova e quiseram mostrar o seu trabalho e correu tudo muito bem.  

O surf está diretamente ligado à natureza, como é que a comunidade cuida do ambiente?

A sustentabilidade para nós é a chave, se não tivermos cuidado na preservação do mar e da própria costa a nossa atividade acaba. Demoramos oito dias a montar o evento, é um recorde. Estamos a tentar encurtar o tempo de montagem para que a nossa pegada seja cada vez mais pequena, porque estamos a usar sítios sagrados que são as praias e as ondas. Ao contrário de outros campeonatos do mundo que obrigam a construir estádios e estruturas pesadas, nós atuamos em “estádios” naturais, que apenas necessitam de manutenção. Além disso, a nossa plataforma tem milhões de seguidores e de visualizações e alertamos para a preservação desses ambientes.

Competiu nas provas nacionais e acompanha de perto a liga mundial. Pode dizer-se que houve uma evolução na maneira de surfar?

Evoluiu imenso nos últimos cinco anos. A velocidade a que os surfistas executam as manobras é muito maior e passou a haver a componente dos movimentos aéreos, muito parecidos com os do skate, as ondas são quase rampas. O tipo de ondas também é diferente, cada vez surfamos ondas maiores. O material disponível é melhor porque há novas técnicas de construção das pranchas. Outro aspeto onde há grande evolução é no surf feminino. A WSL investiu imenso nessa área, foi a primeira liga mundial a fazer o equal prize money entre homens e mulheres. Esse investimento trouxe dividendo, pois há cada vez mais jovens a surfar e, nas grandes competições, o número de participantes masculinos e femininos é muito semelhante.

Como vai ser o surf do futuro?

Estão a surgir novidades. As ondas artificiais são já uma realidade, dentro de alguns anos vai ser uma prática muito utilizada. As ondas artificiais criadas em lagos nunca vão ultrapassar a dinâmica e a satisfação de estar no mar, mas podem ser importantes para treinar até à exaustão manobras específicas e abrir novos mercados em países que não têm mar. Vai ser um game changer para o surf, em especial na região onde sou responsável, pois há grandes capitais que ficam a milhares de quilómetros do mar.

Portugal está num patamar de excelência pela quantidade e variedade de praias que permitem a qualquer pessoa fazer surf.  Como avalia a evolução e a importância deste desporto?

Evoluímos muitíssimo nos últimos 15 anos. Cada vez há mais provas e praticantes, e o nível organizativo e a qualidade dos surfistas é muito boa. Há muita gente jovem a surfar, começam a competir aos oito anos em pequenas provas de clubes, e a partir dos 12 já andam a fazer circuitos. Houve também uma evolução nos treinadores, na maioria dos casos são ex-praticantes com grande experiência e conhecimentos. Isso é muito importante, pois para ser bom treinador tem de se conhecer o mar. Nas outras modalidades o melhor ganha quase sempre, no surf isso não acontece porque temos a componente da onda que é completamente imprevisível, a onda está sempre a mudar e a capacidade de adaptação tem de ser enorme. O surf veio, por outro lado, dar uma nova vida a muitas vilas costeiras e a prolongar a época alta. O surf é dos principais responsáveis pelo emprego jovem permanente nessas zonas, foram criadas escolas de surf, hostels e outras pequenas empresas ligadas a este desporto.

É normal haver muita gente nas praias a ver os surfistas. Quantas pessoas, em média, assistem às provas internacionais realizadas em Portugal?

Nos dez dias de competição na Ericeira é normal ter entre 50 a 70 mil pessoas. Nos dias mais fortes chegamos a ter 15 mil pessoas no areal, e tentamos que tenham uma experiência boa. Estamos a falar de eventos realizados fora da época de verão, numa altura que essas zonas estariam quase desertas. 

Como explica essa adesão?

O público português gosta e percebe de surf. Vai às provas para ver os surfistas e não para receber um brinde ou um chapéu. Muitas pessoas sabem avaliar o desempenho dos surfistas e manifestam-se quando saem as notas. 

Isso acontece em outros países?

Sim. O Brasil está no top e tem vários campeões do mundo. Em França, a indústria do surf está sediada na zona de Biarritz, aí o surf é bastante forte.