Creche infeliz. App anuncia vagas que não existem 

Os pais não conseguem inscrever os filhos nas creches gratuitas por bloqueio do sistema. A aplicação anuncia vagas na rede social que na realidade estão preenchidas. O que impede o acesso à gratuitidade nas creches privadas.

Os problemas na implementação do programa Creche Feliz somem e seguem. Pelo menos em Aveiro e em Lisboa, há vagas que aparecem como disponíveis na rede de oferta social na aplicação onde os pais se devem inscrever para acederem à oferta gratuita. Mas essas vagas, na realidade, não existem. O que faz bloquear todo o processo. Com esta informação de disponibilidade de vagas, os pais não conseguem recorrer à rede de oferta privada, ficando sem alternativa e impedidos de recorrer à gratuitidade das creches.

O programa Creche Feliz foi anunciado em 2022 para responder à escassez de vagas no setor social e solidário. A gratuitidade abriu-se ao setor privado, mas num modelo de subsidiariedade: só depois de esgotadas as vagas no setor social é que se pode recorrer à rede privada. Segundo despacho publicado a 21 de julho, as famílias que pretendem inscrever as crianças na creche pela primeira vez poderão ficar logo a saber se podem beneficiar de creche gratuita na rede privada. E assim foi em setembro. Mas, logo depois, o sistema bloqueou, deixando várias famílias sem solução nem alternativa.

Susana Baptista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), já denunciou esta situação ao Instituto da Segurança Social (ISS), mas ainda não obteve qualquer esclarecimento. «Dezenas de crianças inscritas nas creches privadas aderentes ao Programa Creche Feliz não estão a usufruir da gratuitidade desde outubro porque supostamente ainda há vagas no setor social e solidário, o que não é verdade, pois está tudo esgotado nestes concelhos», afirma esta dirigente. «Já reportamos os casos à Segurança Social, por várias vias, mas não nos dão resposta nem solução. E enquanto isso, as famílias estão à espera para entrar ou estão a pagar as frequências que deviam ser gratuitas».

É o caso de uma mãe de Aveiro contactada pelo Nascer do SOL. Carla tem uma criança de cinco meses e outra de dois anos e meio a frequentar um equipamento particular. A filha mais velha não é sequer abrangida pela Creche Feliz, uma vez que as crianças que nasceram antes de 1 de setembro de 2021 só podem aceder a este programa se a família estiver enquadrada no primeiro ou no segundo escalão de rendimentos de comparticipação. O que não é seu caso. Sem quaisquer apoios do Estado, não consegue inscrever o novo membro da família na creche da irmã. A aplicação do programa informa que existem três vagas disponíveis em três estabelecimentos da rede social que na realidade não existem. «Uma delas está ocupada, mas a instituição justifica que não consegue retirar a disponibilidade da aplicação, na outra dizem-nos que já foi preenchida em meados de novembro e na terceira informaram-nos que a nossa inscrição está em fila de espera e a sua aceitação ficará ainda sujeita a vários critérios», relatou esta mãe. Critérios, esses, que não sabe quais são e não estão anunciados em lado nenhum. «Na aplicação só temos de responder a três perguntas: se a criança já anda, sem tem mais de um ano e se tem mais de dois anos», explica. Enquanto estas supostas vagas não forem retiradas do sistema, a creche privada que a filha mais velha frequenta e que aderiu ao programa não consegue gerar os códigos para aceitar o novo bebé. Resta, assim, a esta mãe pagar as duas mensalidades na íntegra.

Em Lisboa, o sistema anuncia 15 estabelecimentos com vagas disponíveis para as salas das crianças com um ano e com dois anos. Sendo todos eles equipamentos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Mas também aqui os pais não conseguem inscrever os seus filhos. Os responsáveis por estes equipamentos informam os pais que os seus filhos serão colocados em lista de espera e a possibilidade de recorrerem às creches privadas mantém-se, assim, bloqueada.

Ao Nascer do SOL, a SCML fez saber que «O desfasamento de informação que, ocasionalmente, possa haver na aplicação do programa Creche Feliz relativamente aos equipamentos da Santa Casa está relacionado com a volatilidade dos processos de inscrição das crianças». Alexandre Guerra, da assessoria de imprensa, justifica esta situação com a circunstância de «diversos encarregados de educação inscrevem simultaneamente os seus filhos em vários estabelecimentos, o que resulta num número muito elevado de desistências e de ocupação de vagas por períodos muito curtos, enquanto os pais optam pela solução que lhes parece mais favorável. Desta situação, o número de vagas tem um ritmo muito elevado de alterações diárias que estão em constante atualização». E informa que, no início desta semana, a SMCL tinha «vagas para crianças nascidas em 2022 e 2021».

Segundo a SCML, estão disponíveis lugares em salas para crianças com mais de dois anos: 63 vagas, distribuídas por dez creches. E dez vagas, distribuídas por cinco creches para crianças que já andam. Mas a informação não coincide com o testemunho da diretora de uma creche privada da capital. Segundo Sónia Almeida, responsável por uma instituição na freguesia de Santa Clara e que aderiu ao programa Creche Feliz, continua a não «conseguir atribuir códigos e integrar crianças, pois na aplicação creche feliz mantêm a informação que têm vagas na sala de 1 ano em 5 instituições, e vagas na sala dos 2 anos em 10 instituições». No entanto, os vários pais que têm contactado esta instituição, e seguiram as indicações para se inscreverem no site da SCML, «são informados que não há vagas e indicam-lhes que fiquem a aguardar em lista de espera».

Segundo Sónia Almeida, esta inatividade está a impedir inúmeras famílias de poderem aderir à rede privada associada e à sua creche. Diz que enfrenta «diariamente de realidades de famílias, essencialmente jovens, que estão há meses à procura de uma creche, mães que se viram atiradas para o desemprego no final da licença parental, e que as crianças já estão com 14/16 meses».

Por seu lado, o Instituto de Segurança Social (ISS) garantiu ao Nascer do SOL que «a informação das vagas na app Creche Feliz encontra-se atualizada». Em relação aos dois concelhos, garante que existem vagas nos estabelecimentos no setor social, exceto no berçário, em Lisboa, «para o qual existem vagas no setor lucrativo». O ISS adverte ainda que «os pais consultem frequentemente a app Creche Feliz, uma vez que a disponibilização de vagas gratuitas em creche é um processo dinâmico, podendo a informação evoluir em função da adesão de novas creches à rede, do acréscimo de vagas, de desistências ou transferências de crianças para outras salas, com impacto na ocupação da resposta social». No meio destas contradições, os pais continuam sem saber o que fazer, uma vez que os números continuam a não coincidir com a realidade.

ines.pereira@nascerdosol.pt