O vazio dos três aos quatro anos

E depois da creche? O Ministério da Educação não tem capacidade para receber crianças com 3 anos no pré-escolar.

O programa Creche Feliz é uma das bandeiras do Governo socialista e tem como finalidade a gratuitidade das creches para todas as crianças. A grande novidade é que, para além do setor público e das IPSS, a oferta foi alargada à rede privada no início do ano. Desde então, 80 por cento das creches privadas aderiram a este programa. A meta do Governo é que 100 mil crianças possam frequentar uma creche até ao próximo ano. Mas, apesar desta medida, e tendo em conta que em Portugal existem 250 mil crianças entre os zero e os três anos, as vagas continuam a ser insuficientes. E isto porque o novo programa de gratuitidade fez aumentar a procura de lugares. «As novas vagas são uma gota no oceano, seriam necessárias mais 100 mil vagas para colmatar as necessidades das famílias», afirmou Susana Baptista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), na comissão parlamentar do Trabalho, Segurança Social e Inclusão no final do mês passado. E o mesmo afirmou o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos: «Não estávamos preparados para este aumento de crianças». E afirmou que este crescimento da procura se deve ao anúncio do programa, uma vez que a gratuitidade originou o aparecimento de mais crianças, que até agora ficavam em casa com familiares por escassez de recursos financeiros.

Além das críticas à implementação do programa que se prendem com as exigências de requisitos rigorosos como condição para a adesão de novos estabelecimentos, outro problema é levantado pelo presidente da UMP e também por Susana Baptista: o pré-escolar. Ou seja, para onde vão todas estas crianças depois dos dos dois anos, uma vez que deixam de estar abrangidas pela rede social e gratuita das creches e passam para o universo do Ministério da Educação? Conforme afirmou esta responsável ao Nascer do SOL, «Este ano já não houve vagas suficientes para os três anos e não foram criadas novas». Com este aumento de afluência até aos dois anos, a falta de resposta na gratuidade a partir desta idade irá criar grandes dificuldades aos pais que não estejam disponíveis e não tenham possibilidade para recorrerem à oferta privada lucrativa. Como disse Manuel Lemos na referida comissão parlamentar, «Quando chegarem ao pré-escolar, nenhum paizinho nem nenhuma mãezinha está disponível para pagar o que quer que seja. Tem de haver uma medida clara e rápida, e quanto mais depressa melhor, por uma razão simples, há muitos pré-escolares a fechar».

Susana Batista reforça: «Atualmente, a maior parte das crianças com 3 anos de idade já não encontra vaga num jardim de infância da rede pública, onde o ensino é gratuito. Devido à escassez de vagas, foi dada prioridade de acesso aos alunos com 4 e 5 anos». E isto porque, segundo a lei de bases, foi estabelecida a universalidade da oferta a partir dos 4 anos. Ou seja, apenas as famílias com capacidade financeira conseguirão assegurar vaga em jardim de infância privado. Esta universalidade não abrange os três anos. No entender da presidente da ACPEEP, «A situação da falta de vagas para os 3 anos tende a piorar no próximo ano, devido ao aumento da taxa da natalidade promovida pelas novas políticas da gratuitidade das creches; aumento da taxa de imigrantes em Portugal nos últimos 2 anos; redução da capacidade de resposta alternativa no setor social e no setor privado e cooperativo e devido à conversão de salas de jardim de infância em salas de creche». Susana Baptista adverte ainda: «Quando as crianças que frequentam atualmente a creche gratuita passarem para uma sala de jardim de infância aos 3 anos, perdem o direito à gratuitidade e não vão encontrar vaga na rede pública». E questiona: «Para onde vão estas crianças? O que deve ser feito para garantir a continuidade educativa?». Sobre este assunto, alertou e já pediu esclarecimentos ao Ministério de Educação, mas ainda não os obteve. E estas perguntas dificilmente poderão ser respondidas pelo atual Governo, agora em gestão.