Apoios são suficientes? Nem sempre o dinheiro resolve o problema

O Governo e as autarquias têm vindo a apostar em medidas de apoio à natalidade mas nem sempre são suficientes. Nesta equação também entra a estabilidade em termos de trabalho e as condições de habitação.

A falta de estabilidade financeira e no emprego são algumas das razões apontadas pelos portugueses para adiarem a decisão de terem um filho. No ano passado, o Índice Sintético de Fecundidade (ISF) em Portugal fixava-se nos 1,43 filhos por mulher em idade fértil. Um número que tem feito soar alarmes junto dos decisores políticos e levado o Governo a avançar com algumas medidas de apoio, muitas delas espelhadas nos Orçamentos do Estado que tem apresentado nos últimos anos. Também as autarquias têm dado incentivos à natalidade, numa tentativa de fixar as pessoas nos municípios e, ao mesmo tempo, de contribuir para o aumento da natalidade no país.

O ministério do Trabalho e da Segurança Social acena com a gratuitidade das creches como uma das medidas mais emblemáticas. Para o próximo ano está previsto o alargamento às estruturas geridas pelas autarquias locais, um pedido que tem sido feito pelo poder local. De acordo com as últimas contas apresentadas por Ana Mendes Godinho, no Parlamento, estava previsto lançar um novo aviso para mais 12 mil lugares em creches. “A gratuitidade das creches é mesmo uma medida transformadora de vidas”, que “liberta as mulheres” para o mercado de trabalho, salientou a ministra. Quanto às creches privadas, os dados da governante revelam que 16.200 crianças beneficiam de creches gratuitas no privado. A comparticipação paga às creches, no âmbito do programa, subirá de 460 euros para 473 euros.

Também o aumento do abono de família é apontado pelo ministério como outro exemplo de ajuda aos pais. Em 2024, os beneficiários do abono de família com rendimentos até ao 4.º escalão (até aos 15512 euros anuais) vão ter a prestação reforçada em mais 22 euros por mês na componente base. Esta medida, que irá custar cerca de 320 milhões de euros, deverá beneficiar cerca de 1,15 milhões de crianças.

O gabinete de Ana Mendes Godinho destaca ainda as medidas da agenda do trabalho digno, nomeadamente as dedicadas à conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional. Um desses exemplos são as novas licenças parentais e lembra que “com o alargamento das licenças parentais, os pais passam a poder acompanhar os filhos durante o 1.° ano e, quando existir partilha da licença parental, o subsídio é aumentado”.

Com a entrada em vigor das novas regras, os progenitores que optem por gozar uma licença parental superior a 120 dias (de 150 ou 180 dias) têm agora direito a usufruir de uma licença a tempo parcial. Ou seja, após os 120 dias, podem acumular os restantes dias de licença e conciliá-los com o trabalho em part-time, desde que ambos os pais optem por esta modalidade.

O valor do subsídio parental também sofre alterações com a entrada das novas regras. Este reforço dos apoios monetários só é aplicável em algumas situações. Nas licenças de 180 dias (150 + 30), o valor do subsídio parental aumenta de 83% para 90%, desde que o pai goze, em exclusivo, de 60 dias seguidos ou dois períodos de 30 dias. Os pais podem optar por alargar a licença parental inicial (de 120, 150 ou 180 dias) por mais 90 dias. E neste caso, também houve alterações significativas. Se antes o subsídio parental alargado era de 25% da remuneração, agora passa a ser de 40% sempre que existir partilha efetiva das responsabilidades parentais. Caso contrário, este aumento não se aplica.

Com as novas regras podem ainda optar pelo trabalho parcial após a licença. E se antes o subsídio parental alargado era de 25% da remuneração, agora passa a ser de 40% sempre que existir partilha efetiva das responsabilidades parentais. Caso contrário, este aumento não se aplica.

Apoios são suficientes?

Jorge Malheiros, professor e investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa (UL) admite que, do ponto de vista dos apoios, está muito próximo dos melhores da Europa. A única exceção é França que, de acordo com o responsável, tem uma política de apoio à natalidade “antiga e muito consistente” e algumas coisas dos países nórdicos. “Em aspetos relativamente às creches, como as creches gratuitas, o tempo que se dá na licença de parentalidade estamos ao nível das melhores da Europa”. Ainda assim, reconhece que depois na prática, a eficácia pode ser discutida.

No entanto, o professor universitário reconhece que mais importante do que os apoios públicos para estimular a natalidade há outras questões que defende serem mais relevantes e mais estruturais. “Questões como a habitação, a carreira e os salários são fundamentais e são mais estruturantes do que, por exemplo, o abono de família. O valor é pequeno e planificar um filho é para sempre, é um projeto para a vida, o que significa que as condições para o ter têm de ser pensadas”.

Isto significa que, de acordo com o responsável, no momento de decisão há perguntas que se impõem: “O meu rendimento permite-me manter um filho? Sim ou não? Se é não então não tenho. A minha carreira profissional tem alguma estabilidade? Tenho uma casa com condições para ter um filho ou não?”, acrescentando que todas estas questões estão em equação e há casos que levam a adiar ou até mesmo a não ter.