Há um Pedro que é lobo, mas veste de cordeiro; um Carneiro que não é Sá, mas diz-se por lá; um Luís que carrega espinhos e não se livra dos burburinhos; Há cinderelas, desventurados, imberbes e mortos vivo; há tinos e desatinos, sindicatos e patronatos. Há tudologistas e vulgarólogos; há ungidos e mugidos; há dramas, comédias e tragédias; há lérias, pilhérias e misérias; há graçolas, gabarolas e charolas; há pelados, execrados e finados – há farrapos de decadência e farpas na epiderme. Enfim, somos um povo mal acabado. As leis e a vergonha curvam-se ou afastam-se para eles passarem e cada um se abaixa sobre o seu prato – expulsaram-lhes a consciência. Os cúmplices na indiferença vivem na dependência e adormecem de boca aberta – vivem para se estar. Há uma multidão pitoresca de aleijões, caceteiros e carrascos. Enquanto isso, os cristos agonizam nas cruzes. A Nação está inflamada e batem-se bengalas na mesa. Os que não estão no poder, mas estiveram, já não querem ir mais além; os que chegaram agora, rasgam as vestes e dizem-se amigos da populaça e salvadores da Pátria; os empalhados já morreram, mas não foram avisados. E todos continuam a jogar à bisca lambida. O lobo – que quer comer o carneiro -, quer descongelar os funcionários públicos, que as dívidas se paguem lá para a frente e que o país é para dividir e ficar ainda mais pequeno. Mas é o mesmo dos voos picados da TAP e da ferrovia que nunca saiu do apeadeiro. O cordeiro – que quer promover uma conferência de paz com o lobo -, diz que vai fazer o que o Pedro não conseguiu na habitação, respeitar os empresários e as empresas, recuperar o SNS e legalizar o lobbing. Mas é o mesmo que se diz herdeiro de Costa e nãos gosta de cartunes. O nadador-salvador – que já salvou no mar e agora quer salvar em terra -, diz que austeridade são passos do passado, que os velhos são passadas do presente, que os jovens levaram andamento e que os professores são para dar seguimento. Mas é o mesmo que reconhece que ainda não cumpriu as expectativas. O jovem lobito – que quase nascia numa sexta-feira treze -, quer cortar a direito porque falta arrojo na direita, que o Estado custa demasiado e que se deve descentralizar e não regionalizar. Mas é o mesmo que prefere ver os socialistas voltar ao governo, pois o mais importante é fazer prova de vida. O pregador – que nunca deixou de ser comentador e não gosta de vítimas – quer o primado para a moral, a castração para pedófilos, a proibição para a eutanásia e rédea curta para os ciganos e parasitas da sociedade. Mas é o mesmo que em minutos diz tudo e o seu contrário. A cinderela – que ficou sem a ‘sua’ Torre Bela – quer economia pela igualdade com mais impostos para quem produz, privatizar as grandes empresas e recuperar o controlo de setores lucrativos para o Estado. Mas é a mesma a quem não se lhe conhece uma única proposta para gerar emprego e economia. É só gastar. E sobramos nós, os mendicantes, que dedilhamos a harpa da ironia, com o génio da sintaxe figurada que nos amarrou a todos de mãos e pés – dizem que ele é bom a meter cunhas e a dar cadeiras de rodas. *A expressão «Já vos vi a todos nus!»pertence a uma candidata autarca, médica lá na terra, que num comício avisava já os ter visto a todos nus quando lhe passaram pelo consultório.
Já vos vi a todos nus!
As leis e a vergonha curvam-se ou afastam-se para eles passarem e cada um se abaixa sobre o seu prato.