Paulo Dimas. A Inteligência Artificial tem  de ser responsável

Paulo Dimas há 30 anos que trabalha preparando o futuro num mundo altamente tecnológico. Explicou-nos os desafios que representa o boom da Inteligência Artificial e a forma como vai impactar a Humanidade.

Lembra-se dos primórdios da computação quando um jovem informático apresentava na RTP os mais recentes jogos para o ZX Spectrum? Esse jovem era Paulo Dimas, que, passados 30 anos, é líder do consórcio Centre for Responsible AI e vice-presidente para a área da inovação na Unbabel, uma startup que utiliza a Inteligência Artificial (IA) para acelerar a mudança para um mundo mais tecnológico. Os seus principais clientes são grandes empresas estrangeiras, que confiam na plataforma da Unbabel para abrir e fazer crescer novos mercados, aproveitando o poder da IA. 

A revista norte-americana Fast Company colocou a Unbabel entre as três empresas mais inovadoras do mundo em 2020 na categoria Enterprise. Que projeto é este?

A Unbabel é uma startup portuguesa que possibilita às grandes empresas, como o Booking, Microsoft, Nike e Tinder, entre outras, interagirem com os seus clientes no idioma desses clientes. Se um japonês enviar uma mensagem para determinada marca a pedir esclarecimentos a resposta é dada em japonês e não em inglês. Cria-se a ilusão de que todas as empresas que trabalham connosco falam mais de 30 línguas.

Como é isso possível?

Consegue-se combinando a inteligência artificial com tradutores humanos. É um serviço híbrido. Cada cliente tem uma identidade própria e a tradução tem em conta essa identidade. Ao contrário de outras ferramentas de tradução, que tratam todos os utilizadores da mesma forma e têm algumas falhas, a Unbabel tem a componente humana que corrige essas falhas, e ao corrigir essas falhas permite também que a inteligência artificial aprenda e se torne melhor ao longo do tempo.

Como se explica o que é a Inteligência Artificial?

A Inteligência Artificial foi inventada há mais de 50 anos, mas aquela de que falamos hoje em dia consiste na tentativa de copiar o cérebro humano. É um conjunto de neurónios artificiais que estão ligados entre si através de parâmetros e têm uns números associados, mas é tudo máquina. Estes neurónios artificiais aprendem observando textos, imagens e sons e começam a detetar padrões de linguagem, a partir daí começam a repetir a aquilo que leram. No fundo, é algo que tenta copiar o cérebro humano. O nosso cérebro tem 80 mil milhões de neurónios, no caso destas redes neuronais estamos a falar de uma escala muito superior. Cada vez que pedimos ao ChatGTP3 para nos dizer qual é a próxima palavra de uma frase ele tem de fazer 175 milhões de cálculos para dar a resposta. 

Quais as principais vantagens da IA para a sociedade? 

O primeiro grande impacto é o acesso ao conhecimento. Temos um tutor personalizado que conhece tudo o que está escrito em centenas de milhares de livros e responde a qualquer pergunta. Se nos ligarmos através do telemóvel a plataformas como o ChatGPT, Bard ou Claude temos a capacidade de aceder a todo este conhecimento, é uma espécie de Wikipédia gigantesca à qual podemos fazer perguntas. Eu próprio tenho aprendido muito sobre inteligência generativa usando a própria inteligência artificial. Outro aspeto positivo é o aumento da produtividade. Estima-se que nos próximos dez anos o Produto Interno Bruto aumente 1,5% através da utilização da inteligência artificial. Há um maior aproveitamento do tempo em tarefas como a redação de emails para clientes ou respostas a reclamações. Tudo isso acontece com uma empatia superior à de um ser humano – a inteligência artificial é muito forte a criar empatia, ser simpática e até persuasiva. 

Um exemplo elucidativo…

Pedi ao ChatGPT para escrever um email que me ajudasse a baixar a renda da casa. Usou as técnicas de um livro de negociação de reféns e escreveu, num minuto, que havia muitas vantagens em a senhoria baixar a renda porque sou uma pessoa em que pode confiar, a casa está preservada e iria ficar mais tempo na habitação. 

Quais os setores de atividade que podem ser mais impactados?

A saúde e a educação são as áreas onde o impacto da inteligência artificial pode ser maior. Na saúde, a inteligência artificial pode juntar todos os relatórios clínicos de um doente e ajudar o médico a decidir se dá ou não alta. A imagiologia também é impactada. A inteligência artificial pode olhar para uma radiografia ou TAC, interpretar esses exames e, eventualmente, detetar sinais que o médico podia não identificar. Tem outra vantagem que é uma memória quase infinita. É capaz de processar toda a informação que lhe dermos, o médico pode ver milhares de exames, mas não consegue ver milhões. Pode também ser utilizada para fazer chegar a saúde a qualquer ponto do país. Uma pessoa pode fazer um exame numa região remota e ser assistido por inteligência artificial. Na educação, vai aumentar a capacidade de as crianças aprenderem, uma vez que vai disponibilizar maior conhecimento de forma mais acessível e rápida e, pela primeira vez, tem em conta aquilo que a pessoa sabe ou não sabe. Quando consultamos a Wikipédia, ela não sabe qual o nosso conhecimento, na inteligência artificial podemos pedir explicações mais completas e detalhadas. É também possível tornar este conhecimento em interatividade através de simulações. Para que tudo isto aconteça é preciso ter uma inteligência artificial que seja responsável.

Tudo isso pode criar um apagão da inteligência humana?

Penso que não. Com o aparecimento da calculadora não se criou um apagão na capacidade de fazer contas em papel.

A Goldman Sachs publicou este ano ano um estudo que antecipa que 300 milhões de empregos a tempo integral vão ser afetados pela automatização. O desemprego vai aumentar?

Sim. Vai haver muitos empregos impactados, como sempre houve com o avanço tecnológico. Quando foi inventado o Excel houve uma extinção em massa de contabilistas, por outro lado os contabilistas que ficaram tornaram-se mais produtivos. É nessa perspetiva que temos de encarar os avanços da tecnologia, e a esta escala houve sempre mais criação de emprego do que perda. Agora, a transição é difícil, cria pobreza e pode levar a um aproveitamento político. 

Considera ser necessário haver regulação para a inteligência artificial?

Claro que sim, e isso está a ser feito. A Europa foi pioneira na área da regulação com a elaboração da proposta ´AI Act´. Quando a legislação estava pronta para ser votada no Parlamento Europeu e Estados-Membros surgiu o ChatGPT, que mudou tudo e obrigou a atualizar a proposta com a inclusão dessa tecnologia a que chamaram Foundation Model. Os responsáveis das empresas que utilizam a inteligência artificial têm de ser responsáveis e ter princípios.

Na sua opinião, existe um lado negro associado à IA?

Há várias partes negras neste processo. Há a parte negra da factualidade, a inteligência artificial é uma repetição de padrões e não sabe se é verdade ou não o que está a dizer. Houve casos em que foi usada a inteligência artificial para escrever artigos científicos e a experiência não correu bem. Se pedirmos ao ChatGPT para escrever a biografia de uma pessoa que não seja muito conhecida ele começa a inventar factos. Outro risco é refletir opiniões culturais e políticas que possam influenciar de forma negativa quem está a aprender. O Sam Altman [fundador da OpenAI, empresa que lançou o ChatGPT] afirmou recentemente que o primeiro ChatGPT era anti-Trump. Por outro lado, há mensagens bem construídas e muito persuasivas que se podem tornar perigosas para a democracia, pois convencem as pessoas sobre determinados fatores de risco. 

Em novembro do ano passado a OpenAI, empresa pioneira em inteligência artificial, lançou o ChatGPT, que se tornou viral – nos dois primeiros meses alcançou 100 milhões de utilizadores em todo o mundo – e deu a conhecer ao cidadão comum o poder da inteligência artificial. Qual a sua opinião sobre esta plataforma?

O ChatGPT é um salto quantitativo na evolução da inteligência artificial, mas temos de dar pistas certas ao modelo, caso contrário não é de todo confiável. A tecnologia que está por detrás do ChatGPT vai prevalecer em muitas das ferramentas que nós já usamos, caso do Office da Microsoft e do Google. Com o passar do tempo penso que vai deixar de ser tão usado e vão aparecer aplicações temáticas construídas por cima do ChatGPT como, por exemplo, um GPT de autoajuda ou que nos ajude a tratar dos nossos filhos, a criar uma receita para o jantar com os produtos que estão no frigorífico  ou a fazer os trabalhos de casa e a elaborar relatórios e outro tipo de documentos aos estudantes. É um grande contributo para o utilizador, desbloqueia e elimina o efeito da folha branca, mas devemos sempre verificar o que está escrito.

E os riscos?

Um dos riscos é a possibilidade de o ChatGPT influenciar pessoas a realizar ações de algum risco no mundo físico. Depois, há um novo tipo de hacker que consegue dar dicas muito assertivas ao modelo e faz com que ele salte a “vedação” e permita ter acesso a informação importante dos utilizadores. Além disso, há empresas que utilizam “exércitos” de chatboat [programa de computador que através da IA simula um ser humano a conversar com outras pessoas] para ganhar eleições. O phishing é outra ameaça.

Como imagina o mundo segundo a IA dentro de alguns anos?

É muito difícil dizer o que vai acontecer. Há ano e meio, dizia-se que as profissões criativas tinham grande futuro e que as máquinas não tinham capacidade para criar. De repente, surgiu uma máquina que consegue escrever livros e gerar imagens que ganham prémios de fotografia e fomos todos surpreendidos. A melhor forma de prever o futuro é inventar o futuro. Estou a trabalhar para inventar o futuro, mas antecipá-lo é extremamente difícil. Sabemos os desafios que temos pela frente, mas não sabemos o tempo necessário para os solucionar. Mas estou convencido que nos próximos 12 meses os avanços tecnológicos vão estabilizar.

E quais são esses desafios?

Um deles é a confiança. Estamos a trabalhar na explicabilidade dos modelos, que é uma área de investigação muito forte. A eficiência energética é outro desafio, já que os computadores estão a consumir uma energia astronómica e, por fim, o desafio da equidade, ou seja, tratar as pessoas da mesma maneira seja em entrevistas de emprego, anúncios ou atribuição de créditos. Depois, numa perspetiva de ficção científica é a questão da consciência, quando é que vamos conseguir uma máquina que tenha consciência. 

Alguma vez a máquina vai ter uma parte sensorial?

Essa é a grande discussão. António Damásio anda a estudar a questão da consciência há mais de 20 anos e os gestores da computação acham que é possível criar um certo tipo de consciência na máquina, embora isso vá demorar bastante tempo. 

Quando atingirmos esse patamar, são as máquinas que se aproximam dos humanos ou o contrário?

Serão as máquinas a aproximar-se dos humanos. Penso que vai existir uma interligação entre máquina e ser humano que vai aumentar a nossa capacidade cognitiva.