Medicina, agricultura, cibersegurança, comunicação, análise, atendimento ao cliente… Estes são apenas alguns dos muitos exemplos de setores e áreas que já usam inteligência artificial. Usamo-la no dia-a-dia muitas vezes sem darmos conta disso (ver páginas seguintes) e um pouco por todo o mundo mas também em Portugal, é cada vez mais usada.
Portugal tem, aliás, a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial – designada AI Portugal 2030 – que tem como principal objetivo promover a investigação e a inovação nesta área específica, em prol do seu desenvolvimento e aplicação em campos como a administração pública, o ensino, a formação e as empresas.
Mas o que se faz então no nosso país? Ainda este ano, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, defendeu que “Portugal tem como desígnio assumir uma posição estratégica neste domínio [inteligência artificial] e para tal tem desenvolvido estratégias e iniciativas”, detalhando que “no que diz respeito à inteligência artificial, temos apostado na qualificação dos recursos humanos, na captação de investimento estrangeiro e na nossa internacionalização”, dando como exemplos bolsas de doutoramento em projetos de investigação em IA, avisos no âmbito do Horizonte Europa e do Digital Europe Programme, participação ativa em fóruns internacionais, em temas como a regulação, segurança, privacidade e ética, e aprovação de agendas mobilizadoras no âmbito do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência com uma forte componente especifica de IA.
João Canavilhas, professor na Universidade da Beira Interior (UBI) e investigador, começa por defender ao i que “há uma grande confusão que existe sempre entre aquilo que é inteligência artificial e o que é automatização”. E lembra que fez um trabalho com jornalistas que diziam que usavam inteligência artificial em pesquisas mas “diria que 90% das coisas que me devolveram eram processos simples de automatização”, uma vez que se tratavam de pesquisas em bases de dados. “Isso de inteligência artificial não tem rigorosamente nada”, defende João Canavilhas.
O professor adianta que também tentou procurar empresas que trabalhassem no campo da inteligência artificial em Portugal “para ver o que é que eles estavam a fazer” e algumas empresas trabalham “muita coisa relacionada com economia”, havendo também já muitas empresas a trabalhar com IA na área da medicina, sobretudo o campo da imagem. “O campo da imagem é muito curioso porque é provavelmente um daqueles que está a ser mais desenvolvido e é algo que já se faz em Portugal”, dando como exemplo a utilização de drones para deteção de pragas em determinadas culturas. E deixa exemplos. “Têm uma base de dados gigante, passam com os drones em cima das vinhas, por exemplo e eles, através das fotografias que fazem das folhas, conseguem detetar não só se há alguma doença como também qual é o grau de maturação da vinha, se está mais rápida ou mais lenta do que é habitual, e depois a partir daí, quando esses programas são muito desenvolvidos, propõem também já soluções no caso de haver algum problema”. E continua: “Sei que é feito aqui, é feito muito no campo da medicina quer em projetos que estão a ser desenvolvidos muito em universidades – ainda como projeto – também a aplicação que já é feita mas de coisas importadas. Tudo o que tem a ver com a imagiologia, por exemplo, é outra área onde funciona muito bem”.
Esta, defende, é uma área específica da inteligência artificial que se chama visão computacional. “E o que faz é o reconhecimento e a interpretação das imagens e depois a partir daí procura fazer deteção de padrões e dar algumas respostas. E isso já se faz muito em Portugal”.
Mas há casos de sucesso além deste. Um dispositivo tecnológico de inteligência artificial permitiu que um homem com paralisia nas pernas voltasse a andar. Gert-Jan Oskam, sofreu um acidente de mota da China em 2011 e ficou paraplégico durante cerca de 12 anos. Investigadores suíços criaram dispositivos que constroem um género de “ponte digital” entre o cérebro e a medula espinhal, contornando partes lesionadas.
Graças ao dispositivo, o homem conseguiu ficar de pé, andar e até subir uma rampa com a ajuda de um andarilho. Um ano após implantar a tecnologia, manteve as habilidades e apresentou sinais de recuperação neurológica, sendo capaz de andar com muletas mesmo depois de o implante ser desligado. Mas o dispositivo ainda não é comercializado e tem de continuar a ser testado.
Outro dos exemplos é a cibersegurança. “Tudo o que tem a ver com reconhecimento facial, por exemplo, vai dar uma grande ajuda”, apesar de depois existirem alguns problemas como a questão dos metadados ou da privacidade. “Muitos destes avanços, por exemplo na questão da cibersegurança, vão depois bater nestas outras questões relacionadas com a privacidade. Mas, à partida, o que estamos a conseguir fazer é isso. Há coisas simples. As pessoas às vezes já estão a usar muitas coisas que nem se apercebem que estão a usar”, garante João Canavilhas.
Podemos crescer?
Questionado sobre ainda há muito a crescer neste campo, o professor da UBI, que trabalha a inteligência artificial na comunicação, diz que “o problema é que tudo isto é muito novo”. “Estávamos convencidos que o Chat GPT é espetacular. Agora, a Google lançou uma coisa nova – o Gemini – que já é um avanço em relação ao GPT que era para nós a grande referência. E isto vai ser um avanço grande”.
João Canavilhas diz que existe diferença entra a IA que agora conhecemos, “a chamada IA fraca” e aquilo que é a IA forte “e tem muito a ver com a questão do raciocínio e a questão da auto consciência da máquina, digamos assim”. E deu como exemplo a edição levada a cabo pelo i em abril deste ano, praticamente feita na totalidade pelo Chat GPT. “Quando a máquina escreveu a notícia, limitou-se a organizar os carateres em palavras e as palavras numa determinada ordem que ela sabe que é a ordem correta. Ele junta palavras mas não tem autoconsciência nem raciocínio. Aquilo é só isso. Ele escreveu mas não sabe o que escreveu. Esse é o grande salto que está para dar”, defendendo que a nova inovação da Google “já vai no caminho desta inteligência artificial de ter que fazer algum raciocínio, já é diferente”.
A grande vantagem de acelerar processos
Questionado sobre as vantagens desta tecnologia, João Canavilhas defende que são muitas mas que “a grande vantagem é a aceleração de todos os processos”, uma vez que tudo aquilo que já era feito pode ser feito de forma mais breve. E compara com a Revolução Industrial. “Nessa altura, já produzíamos determinadas coisas mas começámos a produzi-las com mais rapidez. Agora acontece o mesmo”. Como é o caso da medicina. “Fazíamos uns exames, depois o médico ia analisar esses exames… a partir de agora, o exame é feito, a máquina faz a análise imediatamente e dá logo ali uma série de respostas que vai depois comparar-se com bases de dados gigantescas e todo o processo é acelerado. Diria que a primeira grande vantagem é a aceleração de todos os processos”.
Nesta fase, defende o professor, o facto destes processos mais automáticos serem acelerados, “vai libertar o elemento humano para se concentrar mais naquela parte que na verdade a máquina não faz como a questão do raciocínio, que se aplica ao jornalismo e a outras partes”. A partir do momento em que se consiga acelerar o processo, “conseguimos concentrar-nos mais naquilo que é o elemento humano dentro desta produção. Esta será a grande vantagem que a inteligência artificial vai trazer. Todos os processos que conhecemos até hoje, vão ser todos eles mais rápidos”, um ganho de tempo que, segundo o professor, se traduz “em eficácia”. “A máquina tem a vantagem de, à partida, não errar tanto. Digo à partida porque por trás do algoritmo está também um ser humano que o programou”.