Diário de um Kibutz. Hamas quebrou o acordo

É um sufoco constante saber que o conflito militar está bem ativo e ver como as pessoas agem em tempos tão delicados.

Vários acontecimentos tiveram lugar nas últimas três semanas no território de Israel-Palestina, alguns dos quais mencionarei brevemente, e tentarei dar-vos uma perspetiva dos vários sentimentos presentes na população. Apesar de poderem não estar inicialmente de acordo com a mesma (como eu nem sempre tenho estado), apelo à empatia para com a realidade das pessoas e o seu sofrimento. Temos todos de ser capazes de receber e sentir a dor de cada um dos lados, e conviver neste limbo tão delicado, na hora de podermos formular uma opinião coerente. Mas vamos então aos eventos.
Durante uma semana, houve um período de cessar-fogo que permitiu a tão desejada libertação de cerca de 100 reféns de Gaza, nomeadamente crianças e mulheres, em troca de prisioneiros palestinianos, entrada de avolumada assistência humanitária e uma pausa na frente de combate. Desde logo, a grande maioria ficou radiante por poder rever os reféns libertados, não só pelo sentir da angústia das famílias e amigos, mas dada a dificuldade de poder vir a resgatar os restantes com vida. No entanto, o quebrar do acordo por parte do Hamas, ao não querer libertar as últimas mulheres e crianças nas suas mãos, assim como o ataque terrorista numa paragem de autocarro de Jerusalem e os vários mísseis lançados na manhã seguinte, deram por terminadas as negociações e o regresso ao conflito militar. Bem que representantes do Qatar, Estados Unidos e Egito tentaram (e vão tentando), mas “o caldo está entornado”.

É um sufoco constante saber que o conflito militar está bem ativo e ver como as pessoas agem em tempos tão delicados. De um ponto de vista mais individual, uma pessoa está sempre expectante sobre se pode vir a estar “no local errado à hora errada”, em particular se um par de indivíduos armados conseguir passar despercebido e abrir fogo. Em segundo lugar, e por mais militantes do Hamas que sejam eliminados, há sempre fatalidades do lado Israelita, e muitos são família e amigos na frente de combate. É um aguardar “de coração nas mãos” para não receber tristes novidades…

Apesar do coração despedaçado de um povo que foi atacado de forma tão bárbara e de uma clara discrepância de reconhecimento internacional (o fenómeno de ‘sofrimento comparado’), custa-me ver e ouvir o ódio – talvez uma reação de primeira instância – e a falta de esperança para uma solução pacífica de muita gente. Em face do elevadíssimo número de vítimas em Gaza, boa parte do mundo (e o senhor Guterres e companhia têm-se destacado neste aspeto) tem sido muito contido em condenar veementemente os atos brutais do Hamas, em particular o abuso sexual e a mutilação de corpos a mulheres e crianças. Não sei se pelo fenómeno de ‘sofrimento comparado’, ou por acharem desnecessário reprimir e castigar uma organização terrorista, ou por não querer provocar um “mau olhar” por parte de outros países seus apoiantes.

Politicamente falando, há muita turbulência nos dois lados da barricada. Na fração da Cisjordânia da Autoridade Palestiniana, o Fattah (atual partido no poder) e seus apoiantes, apesar de opositores políticos do Hamas e outros grupos mais extremistas, têm-se mostrado adeptos das atrocidades cometidas e têm celebrado as mais recentes libertações dos jovens previamente detidos por tentativas de homicídio. Simultaneamente, na semana passada saiu mais um relatório da IMPACT-SE, uma organização sem fins lucrativos que dissemina programas escolares do 1º ao 12º ano de escolaridade de acordo com os princípios educativos e os direitos humanos defendidos nas declarações da UNESCO e das Nações Unidas. Neste relatório podem ver-se os posts de apoio ao ataque lançado pelo Hamas no dia 7 de Outubro, ou de outras atividades escolares de apoio aos mártires da nação, na página oficial do Facebook de 11 escolas financiadas pela Autoridade Palestiniana, algumas delas também pela Agência das Nações Unidas na Palestina (UNRWA), sendo que 10 dessas escolas se encontram na Cisjordânia.

E m Israel os partidos de extrema direita governados por Smotrich e Ben Gvir têm mostrado intenções de querer impôr as suas políticas religiosas (alocação de milhões de shekels para os estudos religiosos em Yeshivas de grupos ultra-Ortodoxos, e redução de investimentos em ramos mais liberais do Judaísmo) e de autoridade civil (aumento da violência nas áreas de Judeia e Samaria nas zonas dos colonatos, e entrega de permissões de porte de arma a civis ) apesar dos tempos de guerra em que vivemos. Ao mesmo tempo, vão ameaçando com um possível quebrar da coligação (e que bom que isso seria!, na minha opinião) como forma de manter Netanyahu em alerta. E por mais inquietante que seja fazer declarações para a imprensa, nada pode desculpar a falta de sensibilidade que têm mostrado para com os familiares das pessoas reféns. Simplesmente lamentável! Isto para não falar do primeiro-ministro, que só após 60 dias (!) do acontecimento se sentou à mesa com familiares dos reféns, e conseguiu só os deixar mais enervados.

Enfim…
A nível pessoal, eu e a minha mulher continuamos sem poder estar em casa, excetuando visitas pontuais coordenadas com as forças de segurança locais (mas em instância alguma recomendadas), pelo que vamos fazendo a nossa rotina laboral desde um localidade diferente.