O verniz estalou no Grande Oriente Lusitano (GOL) face à possível entrada de mulheres nas lojas, cabendo ao parlamento maçónico (Grande Dieta) decidir o modo como esse processo se irá realizar. O Nascer do SOL sabe que, perante esta decisão, há várias lojas que poderão sair para a Grande Loja Regular de Portugal (GLLP/GLRP). Desde uma loja no norte ameaçada de abate de colunas pelo próprio grão-mestre, Fernando Cabecinha, a uma outra de Coimbra, uma de Lisboa e ainda outra do Algarve. Ao que o Nascer do SOL apurou, só na capital há três a ponderarem a saída – sendo que uma já está com o processo muito adiantado para entrar na Regular.
O Nascer do SOL já tinha avançado que o debate sobre a admissão de mulheres no GOL estava a ser foco de fortes tensões internas na maior obediência maçónica de Portugal. O silêncio de alguns maçons face a esta possível mudança na organização, que entretanto recebeu luz verde por parte da maioria dos maçons – uma conclusão que entretanto está a ser contestada –, chegou a originar ameaças de expulsão a quem não se tivesse pronunciado. Esta possível saída para a Regular, de acordo com fontes ligadas ao processo, deve-se ao facto de «a entrada de mulher ser totalmente interdita».
Ainda nesta quinta-feira, a loja Universalis, do ex-grão-mestre Fernando Lima, organizou um jantar que tinha como oradores João Soares, António Costa Pinto, José Lamego e Rui Pereira (este último desmarcou à última hora por motivos pessoais) para debater a questão da situação Israel/Palestina, mas que nos bastidores foi aproveitado para tecer duras críticas ao atual grão-mestre, responsabilizado pela eventual debandada de maçons para a Regular.
Esta situação está longe de ser pacífica, já que muitas lojas contestam a conclusão revelada esta semana pelo grão-mestre, Fernando Cabecinha, ao referir que nos últimos meses as 103 lojas foram ouvidas sobre a iniciação de mulheres e que a a maioria aprovou a sua entrada.
«Houve uma auscultação, um inquérito que foi feito às várias lojas. No entanto, o inquérito nunca é vinculativo e as lojas podem dizer nem sim, nem não. E a ideia que temos é que mais de metade das respostas das lojas não concluíram nem para uma situação sim, nem para uma situação não. Deram uma resposta porque era necessário dá-la, mas foi muito vaga e do número que disseram que sim assumiram que a maioria estava de acordo», revela fonte ligada ao processo. E vai mais longe: «É o problema da análise da estatística. Só consideram aqueles que responderam afirmativamente e esses disseram que sim».
A mesma fonte reconhece que aqueles que querem sair é porque «não aceitam de forma alguma que esse processo seja realizado desta forma» e nem as declarações de Fernando Cabecinha dão alguma tranquilidade. Isto porque o grão-mestre da organização admitiu que «questão da iniciação das mulheres ao Grande Oriente Lusitano é um processo muito delicado», porque exige vários procedimentos e pode obrigar à alteração da constituição maçónica.
E recorda que se tratou de uma decisão que competiria ao povo maçónico, em que este foi ouvido no âmbito das lojas e vai ser ouvido na Grande Dieta, com uma média de dois representantes por loja, acrescentado que «agora caberá a esse órgão definir qual é o caminho, quando, como e em que condições esse processo se deverá desenvolver».
Tendência para sair
A mesma fonte ouvida pelo Nascer do SOL acredita que esta sangria de lojas e maçons está longe de poder ser estancada. «Está a haver um grande pressão para a entrada de mulheres, mas a maioria não me parece que esteja interessado e, por isso, pensam em sair. E arriscamos que essa saída pode ocorrer em número significativo». De acordo com o mesmo maçon, é preciso arranjar uma solução, fazer um debate interno para que seja encontrado um modelo em que todos se identifiquem, desde que «não haja a obrigação para que todas as lojas sejam mistas» e recorda o modelo em França. «Há lojas masculinas, femininas e lojas mistas e cada secção decide qual é a matriz que quer ter. Mas aí trata-se de uma opção», salientou.
E lembra que atualmente existe já uma mista, que é a Federação Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional ‘Le Droit Humain’ – O Direito Humano e a Grande Loja Feminina de Portugal – e que «o GOL fez a seu tempo tratados de amizade e de visita mútua aos trabalhos quer com as duas e em muitas sessões há a presença de mulheres nos trabalhos do Grande Oriente Lusitano».
Já quanto a esta ‘pressão’ para a entrada de mulheres no GOL, as várias fontes ouvidas pelo jornal não deixam margem para dúvidas: «As eleições estão próximas e há uma tentativa do grão-mestre marcar com alguma coisa o seu mandato».
Recorde-se que o tema foi trazido por Fernando Cabecinha, que tomou posse há dois anos, respondendo a uma discussão interna, com vários elementos a reclamarem a modernização da organização. E, apesar de admitir que gostasse que o processo ficasse concluído antes do final do seu mandato, já veio admitir que a decisão não está nas suas mãos. E acrescentou: «A única coisa que eu disse ao povo maçónico é que seja qual for a decisão que a Grande Dieta venha a tomar, desde que seja de forma inequívoca, eu a ratificarei».
É certo que as mesmas fontes reconhecem que é difícil que este processo termine com um consenso. «Não é fácil criar um consenso em mais de 100 lojas. Há casos de lojas em que um mais de um terço não se quis pronunciar, agora imagine este cenário multiplicado por todos os obreiros em todo o país», concluem.
O principal entrave à entrada das mulheres no GOL está relacionado com uma questão de redação dos seus princípios fundamentais. A constituição em vigor no GOL_define a maçonaria como «uma Ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição iniciática, obedecendo aos princípios da Fraternidade e Tolerância e constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças». Necessariamente, a iniciação de ‘maçonas’ no GOL exigiria uma revisão do texto que contornasse a palavra «homens».