Uso e abuso da Inteligência Artificial nas mais variadas áreas

Poupanças de custos, otimização de processos e evitar repetição de tarefas são algumas das vantagens apontadas. Mas há áreas, em que os riscos são mais evidentes, como é o caso da educação.

A utilização das novas ferramentas de tecnologia vai sendo cada vez mais reforçada em diversas áreas, que vão desde a saúde à agricultura. Esta nova realidade veio para ficar. E, mesmo se ainda se encontra num processo de expansão, os resultados estão à vista, prometendo revolucionar todas as atividades económicas, tanto públicas como privadas. Poupanças de custos, otimização de processos e evitar repetição de tarefas são algumas das vantagens apontadas. Mas há áreas, em que os riscos são mais evidentes, como é o caso da educação.

Saúde

A saúde é uma das áreas onde a inteligência artificial tem mais potencial para crescer e onde, provavelmente, será mais útil. Segundo um recente estudo da Tractica – empresa de inteligência de mercado com foco na na interação humana com a tecnologia –, o mercado de serviços ligados à inteligência artificial na saúde deve ultrapassar 34 mil milhões de dólares – cerca de 31,6 mil milhões de euros – até 2025 em todo o mundo.

Um dos casos onde pode ser usada é no diagnóstico de doenças. E tem um uso importante principalmente na radiologia, através da análise de exames por imagem, possibilitando a prioridade de casos urgentes e a deteção precoce de doenças.

Sabe-se que a contribuição de gigantes da tecnologia como Microsoft, Google, Apple e IBM no setor da saúde tem uma importância significativa para o setor. Atualmente a IA é muito usada nesta área, incluindo na prospeção de dados para identificar padrões e realizar diagnósticos e tratamento altamente precisos. Além disso, é usado em imagens médicas, descoberta de medicamentos e cirurgia robótica. Por exemplo, o IBM Watson (ferramenta de IA) pode derivar o significado e o contexto de dados estruturados e não estruturados que podem ser críticos para a seleção de um plano de tratamento e, depois, analisar as informações médicas sobre o paciente para identificar um tratamento potencial. No fundo, funciona como um médico humano.

Além disso, uma plataforma chamada Inteligência Artificial para Descoberta de Medicamentos (AIDD), desenvolvida pela empresa biofarmacêutica NuMedii, aproveita big data e IA para detetar a ligação entre doenças e medicamentos no nível dos sistemas.

Apesar de a inteligência artificial não eliminar as necessidades cirúrgicas, pode reduzi-las potencialmente ao mesmo tempo em que melhora os resultados para pacientes e médicos.

Educação

Uma das áreas mais polémicas em relação à aplicação da inteligência artificial (IA) é a educação. Se à primeira vista pode ser vista como uma vantagem, o presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial já veio alertar para o risco de fraudes académicas. Graças a ferramentas como o CHATGPT, os alunos podem, em poucos segundos, gerar respostas ou fazer mesmo trabalhos mais longos.

Mas nem tudo são desvantagens. De acordo com a Unesco, “a inteligência artificial tem o potencial de responder a alguns dos maiores desafios da educação de hoje”, destacando a sua importância no “acesso ao conhecimento, investigação e à diversidade de expressões culturais”. Aponta ainda para outras vantagens, como a possibilidade de gerar percursos de aprendizagem individualizados, a garantia de acesso universal para todos os estudantes, a automatização de tarefas administrativas ou a possibilidade de garantir um serviço fora da sala de aula e em todos os momentos. Mas deixa um alerta: Estas tecnologias não deverão contribuir para “aumentar as divisões entre e no seio dos países”.

A ideia é usar estas ferramentas não como com um substituto, mas como um complemento ao trabalho dos professores. Na Universidade de Harvard, o curso CS50 (Computer Science) prevê a utilização de IA para ensinar programação, corrigir trabalhos e dar feedback personalizado a cada aluno.

Agricultura

A prevenção e deteção de doenças, carências e pragas é uma das vantagens da aplicação da inteligência artificial na agricultura. E não fica por aqui. O uso desta tecnologia pode ainda ajudar os agricultores ao dar informações e recomendações sobre as suas colheitas e culturas.

Estas novas ferramentas possibilitam fazer um plano de fertilidade dos terrenos e irrigação, por um lado, e da produtividade prevista, por outro.

Como funciona? Na monitorização da lavoura são usados drones ou sensores que podem identificar problemas no plantio, infestações de plantas daninhas, pragas e até o excesso ou falha na irrigação. Ou seja, permitem um diagnóstico completo de sua lavoura através da análise de imagens. E, se os agricultores sempre acompanharam a previsão do tempo para a tomada de decisões, a novidade é que hoje já existem ferramentas para monitorizar o clima e, dessa forma, é possível controlar a irrigação do terreno de forma mais precisa.

Além disso, neste setor já existem tratores e máquinas que trabalham sem a necessidade de operadores, orientados por meio de câmaras, sensores e GPS. Mais do que operarem sozinhos, esses veículos atuam com precisão, realizando ajustes de forma automática para a pulverização de fertilizantes, por exemplo.

Em suma, estas novas ferramentas permitem ao setor reduzir custos e evitar desperdícios.

Indústria

Também a indústria tem apostado na inteligência artificial em muitos casos. A IA tem o potencial de transformar completamente a indústria transformadora. Na lista de possíveis vantagens estão o aumento de produtividade, diminuição de despesas, melhoria de qualidade e diminuição do tempo de inatividade. As grandes fábricas são apenas algumas das que podem beneficiar desta tecnologia. Existem muitos usos possíveis para IA na produção, uma vez que ajuda a detetar defeitos usando técnicas complexas de processamento de imagens para classificar automaticamente falhas numa ampla variedade de objetos industriais.

No contexto dos processos de indústria, os casos de uso de IA giram em torno das seguintes tecnologias: aprendizagem de máquina, que usa algoritmos e dados para aprender automaticamente a partir de padrões subjacentes, sem ser explicitamente programada para isso. Junta-se a aprendizagem profunda que se traduz num subconjunto de aprendizagem de máquina que usa redes neurais para analisar coisas como imagens e vídeos. E ainda agentes de IA que gerem as suas tarefas por conta própria, como é o caso de robots colaborativos ou veículos conectados.

Espera-se que a IA para a indústria cresça de 1,1 mil milhões de dólares em 2020 para 16,7 mil milhões de dólares em 2026. O crescimento é atribuído principalmente à disponibilidade de big data, ao aumento da automação industrial, à melhoria do poder computacional e a maiores investimentos de capital.

Serviços

O retalho e o comércio eletrónico destacam-se como os setores onde a aplicação da IA é mais facilmente evidente, tornando o seu impacto tangível para a maioria dos utilizadores finais. Devido à forte concorrência no mercado, as organizações retalhistas procuram sempre técnicas para encontrar padrões no comportamento do consumidor, para que possam alinhar a sua estratégia de negócio com as necessidades do consumidor. O exemplo mais conhecido são os assistentes virtuais. São várias as empresas de todos os setores que contam com assistentes virtuais para tentar facilitar o primeiro contacto com o cliente que, em muitos casos, evita depois o contacto direto com o operador. No caso dos assistentes virtuais, diz-se que as vantagens são muitas como a redução de custos e até novas oportunidades de emprego. E são usadas por várias empresas. O imobiliário não fica de fora. A título de exemplo, existe o Alfredo, uma startup especializada em inteligência artificial que pretende revolucionar o mercado imobiliário através do desenvolvimento de tecnologias de big data e machine learning. Tem como objetivo dotar os agentes que trabalham neste campo com ferramentas que lhes permitam atuar com rapidez, segurança e transparência. Uma tendência seguida pela imovel.pt. que, através da IA de ponta, facilita o processo de transação imobiliária – compra, venda e arrendamento de imóveis –, tornando-o mais personalizado e adaptado às necessidades dos clientes.

Sistema Financeiro

“A IA tem permitido às instituições financeiras a capacidade de processar cada vez mais dados de forma rápida, identificar padrões, detetar anomalias e refinar previsões, com o objetivo de melhorar o processo de decisão, a gestão do risco e a relação com os clientes”, assume o Banco de Portugal.

Outra das vantagens diz respeito à redução dos custos operacionais. Isto é, tarefas manuais demoradas estão a ser substituídas por algoritmos inteligentes que permitem executar essas atividades de maneira rápida e precisa. Por outro lado, os bancos utilizam cada vez mais nas suas aplicações assistentes virtuais para ajudarem os clientes.

A banca portuguesa não é exceção. Um desses exemplos é o Banco Montepio, que apresentou uma parceria com a IBM para a criação de soluções de inteligência artificial suportadas pelo supercomputador Watson – daí resultando a M.A.R.I.A. que tira dúvidas aos clientes e tenta resolver problemas. Numa segunda fase poderá avançar com a venda de produtos ou sugestões aos seus clientes, nomeadamente aconselhamento de serviços de crédito de habitação, por exemplo.

O mesmo cenário repete-se na Caixa Geral de Depósitos. Além de apoiar a consulta de saldos, movimentos, ou do IBAN, também pode ser usada para executar transferências, pagamentos, ou pedidos de cartões e desbloqueio de acesso à Caixadirecta. Pode usá-la também para solicitar a revogação de débitos diretos, ou para alterar dados pessoais.

Construção e Arquitectura

A inteligência artificial já é aplicada em vários projetos de construção civil, nomeadamente para realização de tarefas repetitivas e perigosas. O objetivo é simples: reduzir riscos de lesões e acidentes de trabalho. E as vantagens não ficam por aqui. Esta tecnologia também pode ser usada para monitorizar o progresso de uma obra, permitindo detetar possíveis erros e atrasos e propor soluções corretivas. Além disso, através de imagens reproduzidas, as equipas podem acompanhar o projeto de forma remota.

De acordo com um relatório da Goldman Sachs, o impacto da IA na construção ronda os 6%, mas estudos da Accenture apontam para o facto de o setor poder aumentar os lucros em mais de 7% até 2035 se usar estas novas ferramentas.

A inteligência artificial também anda de mãos dadas com a arquitetura, permitindo fazer projetos mais completos, precisos e, ao mesmo tempo, mais adaptados às necessidades dos clientes, ao ambiente e ao contexto dos projetos em que estão localizados. Além disso, esta tecnologia é ainda usada na renovação dos edifícios existentes, assim como na manutenção de estruturas ou ser usada para monitorizar as atividades do edifício e moradores. Por exemplo, através da IA, a iluminação dos espaços pode adaptar-se às necessidades e hábitos das pessoas que os utilizam, e o aquecimento e o ar condicionado podem ser ajustados com base na temperatura exterior.

Tecnologia

A Inteligência Artificial pode chegar a todo o lado e as telecomunicações não são exceção. “Com a sua capacidade de automatizar tarefas operacionais, otimizar o uso de recursos e melhorar a qualidade dos serviços, a Inteligência Artificial está rapidamente a tornar-se um elemento essencial no setor de telecomunicações”, escreve Bruno Villardi, CEO da Comm, nas redes sociais. “Antes da IA, empresas da área precisavam de uma grande quantidade de funcionários para lidar com tarefas de rotina, como a manutenção de equipamentos, a configuração de sistemas e o monitoramento das redes. Agora, com a automação, a IA é capaz de lidar com essas atividades de forma mais rápida e assertiva, em comparação aos seres humanos. Isso permite que as empresas economizem tempo e dinheiro, além de reduzir a incidência de erros humanos”, acrescenta.

O mesmo acontece com os videojogos. “A IA tem sido uma parte fundamental do desenvolvimento de jogos há algum tempo, com NPCs (personagens não jogáveis) simulando comportamentos humanos em jogos single-player e inimigos se adaptando às táticas dos jogadores em jogos multiplayer. No entanto, à medida que a IA se torna mais sofisticada e acessível, os desenvolvedores de jogos estão explorando maneiras criativas de usá-la”, escreve Igor Arnaldo de Alencar, criador de conteúdo na Adapt Edtech, no Linkedin. Na prática, no que diz respeito aos videojogos, a IA é usada para criar personagens não-jogadores mais realistas, gerar ambientes e comportamentos dos inimigos de forma processual e melhorar a jogabilidade geral.

Segurança

A iminência de um ataque a uma empresa, Governo ou até indivíduo é enorme e continua a crescer e a evoluir rapidamente. Dependendo do tamanho da empresa, existem centenas de milhares de sinais que variam no tempo e que precisam de ser analisados com o objetivo de calcular o risco com precisão. Para isso, é preciso analisar e melhorar a postura de segurança cibernética que parece não ser mais um problema para os humanos com a ajuda da inteligência artificial. É que, em resposta a este desafio, surgiram ferramentas baseadas em Inteligência Artificial para ajudar as equipas de segurança da informação a reduzir o risco de violação.

Por outras palavras, ao integrar a inteligência artificial nos sistemas de segurança, é possível automatizar os processos de verificação de ataques, podendo torná-los mais seguros ao reduzir a carga de trabalho dos especialistas de TI e aumentar a eficiência da identificação de ameaças.

E parece que é algo em que as empresas querem apostar. Segundo um recente estudo da Randstad, a transformação digital e a inovação tecnológica são os fatores que mais irão marcar o futuro do mercado de trabalho, segundo respostas das empresas. A IA surge como um desafio, mas também uma oportunidade para as empresas e profissionais, visto que transformará tarefas e processos.

Já um estudo da consultoria IDC, a união da IA com a automação (Intelligent Process Automation – IPA) é uma tendência: 20,5% das empresas apontam essa tecnologia como estratégica e, por isso, receberá mais investimentos.

Administração Pública

O uso da inteligência artificial na função pública soma e segue. Por exemplo, na área da proteção civil, a IA pode contribuir para antecipar situações calamitosas e assim ajudar ao planeamento e organização dos meios necessários. Também na gestão de fogos florestais é possível encontrar aplicações de aprendizagem automática para prever a meteorologia, nomeadamente a ocorrência de trovoadas, classificar se estas serão secas ou acompanhadas de chuva, e assim prever melhor a ocorrência de ignições em determinadas áreas.

Estas ferramentas podem também ajudar as autarquias, por exemplo, no controlo de pragas, como roedores.

Já em matéria de justiça poderão ser aplicados sistemas de determinação de níveis de risco a fim de auxiliar decisões judiciais como é o caso do risco de reincidência em crime. E nesta área, Portugal conta com 26 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para desenvolver a primeira Estratégia de Govtech, especificamente dirigida ao setor. A iniciativa materializa-se num conjunto de projetos de inovação e transformação digital, desenvolvidos em colaboração com universidades, centros de investigação e startups com o objetivo de tornar os serviços da justiça mais ágeis e eficientes.

Ainda no início deste ano, os juízes defenderam o uso da inteligência artificial nos tribunais, transformando-a, “numa primeira etapa”, num “assistente judicial eletrónico” que ajude, por exemplo, a escrever sentenças, mas sem que o possa fazer autonomamente.