Numa conversa com o padre Thomaz Fernandez, tentámos perceber se há mais ou menos fiéis e o que pode a Igreja fazer a este respeito.
“Pois caminhamos pela fé e não pela visão”, diz São Paulo na segunda epístola aos Coríntios. Criticada por muitos, mas tão sentida por outros, a fé não se explica. Sente-se. Diz-se até que move montanhas. Mas é preciso o amor. E este é um dos maiores ensinamentos bíblicos.
Ainda que pareça vir perdendo fiéis ao longo das últimas décadas, a Igreja Católica continua a ser a casa de muitos que sempre lá estiveram e de tantos outros que, mais tarde na vida, se sentem chamados e acolhidos. É o caso de Laura, que, aos 33 anos, sentiu um chamamento que não consegue explicar. “A minha família não é católica, nunca tive essa educação”, começa por contar ao i. Não era batizada e não tinha qualquer outro sacramento. Não ia à missa e nem sequer se falava sobre religião na sua casa.
Como chegou então este chamamento? “Tinha um colega no trabalho que falava muito em Deus e em Jesus. Ia sempre à missa e a religião dele era muitas vezes tema de conversa. Confesso que até cheguei a gozar com ele, mas decidi experimentar”. Pegou no carro e foi passar um fim de semana a Fátima, sozinha. “Nunca tinha ido e não sei explicar o que senti ao rezar o terço na Capelinha das Aparições”. Rezar que, confessa, nem foi bem rezar porque não fazia ideia de como isso se fazia.
Agora, com 35 anos, Laura é batizada, tem a primeira comunhão, o crisma e vai até casar pela Igreja, algo que seria impensável há uns anos. Vai à missa todos os domingos: “A forma como trato o outro, como consigo perdoar, são diferentes. E acredite: a oração ajuda-nos mesmo”, confessa.
Para tentar perceber este sentimento de Laura e se realmente as Igrejas veem entrar novos fiéis, o i sentou-se à mesa com o Padre Thomaz Fernandez, pároco na paróquia de Queluz. As estatísticas, diz-nos, parecem apontar para um menor número de católicos praticantes, que há menos pessoas que fazem a prática dominical. Há uma “secularização da nossa sociedade”, nota. “Acho que isto pode constatar-se com alguma evidência”.
No entanto, há sempre caras novas na Igreja. “Podem ser pessoas que eram católicas na infância, que depois se afastaram mas está lá alguma coisa e agora regressam”. Aponta como exemplo pessoas que ouviram uma palestra online, que viram um vídeo que alguém lhes enviou e “puseram-se a pensar”. Para o Padre Thomaz, uma coisa é certa: “Há pessoas a aproximarem-se de novo. E há alguns sítios onde há um ambiente com mais calor, de vida comunitária; as pessoas também se sentem atraídas por isso. Gostam de estar ali, sentem um bom ambiente”.
Na sua opinião, “isso faz muita falta porque a secularização leva-nos a voltarmo-nos mais para nós mesmos, para o individualismo”, continua. “E isso “leva à solidão”. Na Igreja é então encontrado o calor que precisamos.
Questionado sobre se a imigração traz mais fiéis, o pároco de Queluz defende que os dados da paróquia apontam nesse sentido. “Acho que a imigração tem algum efeito. Aqui, nalgumas missas, olhando para a cara das pessoas, vejo que há muito mais pessoas de outros países do que havia há 10, 20 ou 30 anos. Não sei se é porque migraram mais, se é porque as pessoas de outros países aqui na paróquia vão mais à missa que as pessoas de cá”.
A importância da JMJ e o outro lado negro A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) também pode ter contribuído para uma nova dinâmica na Igreja Católica, com muitas pessoas até aí afastadas da religião a quererem enveredar por esse caminho na sequência da experiência vivida. O Padre Thomaz diz não ter dúvidas que “os das Jornadas são imensos” e que alguns não são tão visíveis porque são frutos de ordem espiritual, mas há outros que sim, como são estes casos. Na sua opinião, a Jornada deu “muita visibilidade à fé católica e mostrou uma coisa muito normal: muitos jovens, unidos, por um fim comum que é Cristo”. “Acho que isto para um não crente mostrou que a fé católica não é uma coisa tão irrelevante, tão arcaica ou tão ‘bolas de naftalina’ como se calhar pensavam”. Assim, acrescenta, “percebe-se que somos milhões que rezam, que se confessam, acho que isto ajuda a pôr as coisas numa perspetiva mais real”.
Mas se a JMJ trouxe mais fiéis à Igreja Católica, os casos dos abusos sexuais na Igreja podem ter afastado outras. O Padre Thomaz chama-lhe “um mal muito grande” para quem sofreu os abusos, para as suas famílias, para as comunidades e para toda a Igreja. A pergunta é: terão estes escândalos afastado algumas pessoas da Igreja?
O Padre Thomaz responde: “O processo de que falei antes, da secularização, leva a que as pessoas mais dificilmente cheguem a ter um encontro verdadeiro com a Fé católica, com Cristo”. Mesmo aqueles que na infância ou juventude frequentaram a catequese mas não tiveram pais católicos praticantes nem um ambiente de fé em casa podem não chegar a este encontro, diz o Padre Thomaz. “O ambiente entre os amigos, na escola, também dificulta uma experiência de fé autêntica, pelos tão frequentes preconceitos anti-católicos e anti-religião. Alguns jovens já têm partilhado comigo que até os próprios professores chegam a ridicularizar o facto de um aluno ser católico…” Assim, diz ser fácil que essa criança ou jovem “chegue a adulto e aquilo que julga saber da Fé é apenas uma visão muito empobrecida e distorcida. Uma pessoa com uma fé que não esteja formada, perante as notícias escandalosas relacionadas com a Igreja, não é preciso muito para que se afaste definitivamente, provavelmente já não estava muito unida”. Essa “imagem denegrida”, prossegue, será para alguns “uma confirmação do preconceito que já possuíam”.
Lembrando que muitos dos benefícios trazidos pela Jornada podem ser invisíveis, o pároco diz que “os maus frutos dos casos de abusos, muitos são também invisíveis”.
Na sua opinião, quando o católico vive a sua fé com convicção, beneficia a Igreja inteira, mas “quando um fiel faz mal, peca, faz mal a todos”. E, no caso de ser um sacerdote, “o pecado tem efeitos como uma bomba napalm. Um sacerdote que faz uma coisa destas, faz mal a muita gente”.
Apesar de reconhecer que houve coisas mal feitas, o Padre Thomaz não tem dúvidas que o facto de se saber dos abusos foi “em parte bom porque abanou e fez cair muitos ramos secos”. E afirma que “existe também dimensão de maldade por parte dos inimigos da Igreja, que se aproveitam disto. Deixar a Igreja mal convém a certas pessoas e grupos na sociedade que defendem ideias diametralmente opostas às cristãs, uma nova moralidade”, dispara. “Se desacreditamos a Igreja, terá menos autoridade moral, o que penso que em certa medida aconteceu”. É por isto que o sacerdote defende que “para quem não tem uma fé bem formada, fez com que se afastasse com mais força, de uma maneira mais acelerada, mais definitivamente e impediu que outros que se estivessem a aproximar, mas que tivessem uma Fé fraquinha, continuassem o seu processo de aproximação”.
Os católicos convictos, “que conhecem e vivem a Fé, que conhecem Cristo, sofrem com estas coisas, é horrível, envergonham-se”. Assumindo que ele próprio sentiu vergonha, o Padre Thomaz nunca deixou de se vestir de padre ou de continuar as suas funções. “O que o outro fez não faz de mim culpado, mas represento uma instituição que está mal vista. Os fiéis comuns sentiram o mesmo que eu, muitos partilharam comigo, sentiam vergonha e tristeza. Mas não vão deixar a Fé por causa disto”.
Relembra, porém, que os casos de pedofilia e de abuso sexual não acontecem só na Igreja e não é aí que o maior número de casos acontece. “Temos que defender todas as crianças, não apenas aquelas que frequentam a catequese”, remata.
“É preciso convicção”
Perguntamos ao Padre Thomaz como pode a Igreja ajudar as pessoas a chegar a uma fé forte, inabalável. A resposta sai-lhe facilmente. “Acho que para fazer parte da Igreja, para além de participar ativamente no culto público, é preciso o esforço por viver a coerência na família, profissão, vida social, etc., e também a relação pessoal com Deus, na intimidade da oração. Uma fé verdadeira implica convicção”.
O primeiro impulso, defende, não depende do indivíduo, “vem de Deus”. “É a graça divina que move a alma da pessoa”, declara. As pessoas, diz-nos, podem expressar-se em sentimentos, sentir o desejo de ir à Igreja, de ajudar os outros… “a ação de Deus na alma humana a atrair-nos para o bem. Mas a ação de Deus não é só direta na alma humana, é também mediada. Caso contrário Jesus Cristo não precisava de ter vindo à terra, não precisava de ter formado uma Igreja, de continuar a evangelizar através da Igreja”.
Defende que “através da ação da Igreja muitas pessoas chegarão ao conhecimento do verdadeiro Deus feito Homem, da Igreja e os seus sacramentos como caminho de, com e para Cristo. A ação da Igreja é muito importante”.
E para que a Igreja seja atrativa, “a primeira coisa que tem que ser é ela mesma, a esposa sem mancha, sem ruga, que reflete a beleza de Deus. Cristo luz das gentes no seio da Igreja. Não é a Igreja que é luz, deve refletir luz”. Para que isso se concretize, defende, importa “que nós, católicos, levemos uma vida coerente. Que as outras pessoas possam ver através das nossas vidas de santidade, de coerência cristã, que vale a pena. É isto que a Igreja deve fazer, ser Santa”.
Depois há um terceiro aspeto que o padre de Queluz considera decisivo, que é a missão concreta dos fiéis católicos de anunciar o Salvador às outras pessoas. Diz que devemos sentir a responsabilidade pelo bem dos outros, não podemos encolher os ombros como se não fosse assunto nosso. “A nossa caridade não deve limitar-se à ação social de dar de comer aos mais pobres ou arranjar um banco de roupa para quem não tem dinheiro para comprar. Tudo isso é importante, são manifestações da caridade. Mas a maior caridade de todas é dar a conhecer Cristo”, finaliza.