Charles Kid McCoy era um fulano que só se chamava assim para atrair gente para os seus combates de boxe. Gostou da alcunha e agarrou-se a ela como uma lapa, quase se esquecendo por completo que, na verdade, o seu nome de batismo era Norman Selby. Vamos e venhamos: Norman Selby também não é nome de jeito para alguém que nasceu em Moscovo. A menos que essa Moscovo não seja a Moscovo que vocês todos estão a pensar mas uma tal de Moscow, Rush County, Indiana, United States of America. Pois… esta Moscow apareceu por causa da outra, inevitavelmente. Ao que parece, em 1827, um grupo de imigrantes russos estabeleceu-se no local para tomar conta de um posto de comunicações. Deixaram-se ficar enquanto foram bem recebidos. Depois o ambiente passou a ser um bocado mais agressivo e os moscovitas de Rush Country, se podemos chamar-lhes assim, voltaram para as estepes, ou lá para o diabo do lugar onde tinham vindo ao mundo, e Moscow manteve-se Moscow mas sem russos a partir de 1907. Pormenor curioso, no mínimo, na vida do tal NormanSelby, um moço que desatou a crescer desde a adolescência até ultrapassar o metro e oitenta e tal e decidir tornar-se não apenas ator de cinema em Hollywood como um príncipe dos ringues de boxe. Pensando bem, se Norman Selby não é nome que se prante a quem nasceu numa cidade chamada Moscow, então também não é nome de jeito para quem quis passar a vida a fazer fitas – no autêntico sentido do termo – e a rebentar com as fuças dos adversários que lhe surgiam pela frente. E, então, Norman Selby decidiu adotar a alcunha de Charles Kid McCoy. Uma alcunha um bocado palerma, mas que fazia parte de um tempo em que William Frederick Cody andava de um lado para o outro da América a fazer de conta que apanhava índios e enlaçava bovinos pelos pescoços em espetáculos entusiásticos no qual se fazia conhecer por Buffalo Bill.
Selby tinha uma particularidade muito especial na sua idiossincrasia: não era, de forma alguma, homem de uma mulher só! Tanto assim que se casou dez vezes, sem tirar nem pôr. Vamos dar o desconto de, desses dez casórios, três terem sido com a mesma mulher, o que revelava uma certa preferência pela figura em questão. As 17 anos ainda não era casado com ninguém mas já tinha um terrível punho direito que ameaçava ser um verdadeiro atestado de óbito. No geral era tido como um trafulha já que aplicava o soco no exato momento em que, com o antebraço esquerdo, estrafegava o inimigo empurrando-lhe a maçã de Adão tão para dentro da garganta a ponto de o deixar com os olhos mais esbugalhados do que uma garoupa. Quando os nós dos dedos rasgavam os sobrolhos do opositor e o punham a ver estrelas era quase como um alívio para o pobre infeliz…
Ninguém nunca gostou de Charles Kid McCoy, embora tenhamos de duvidar desta expressão se tivermos em conta as suas sete esposas por muito pouco amantíssimas que possam ter sido. Mas é tal e qual assim que os jornais da época se referiam ao mamífero: um tipo odiado por toda a gente. Até por Charlie Chaplin com quem bebeu um ou dois golos de whisky no tempo que passou em Hollywood e surgiu nas telas à custa de filmes de pouco sucesso. Foi por essa altura que se apaixonou pela primeira vez, por uma tal Teresa Mors, Mrs. Mors, já que casada com um indivíduo que carregava precisamente esse apelido: Mors. Tirando o facto de a referida senhora ser casada, a paixão entre ambos ia de vento em popa até Mrs. Mors ser encontrada já cadáver vitimada por cinco tiros de pistola no apartamento que o casalinho tinha acabado de arrendar. Selby tornou-se o principal suspeito do suicídio embora jurasse a pés juntos em tribunal que fora a amante a suicidar-se mesmo na sua frente por conta dos desagravos recentes na relação. Convictos de que não seria necessário propriamente desferir cinco balázios nela própria para cometer suicídio, os membros do júri mandaram às malvas o juramento de Norman e condenaram-no ao 24 anos de cárcere. O homem que havia batido sobre o ringue gente como Mysterious Billy Smith, Tommy West, Jack Bonner, Jim Daly, Dick Moore, George LaBlanche, Dan Creedon , Gus Ruhlin, Jack Twin Sullivan, Joe Choynski e Peter Maher acabou por ser beneficiado por uma precária ao fim de sete anos. Dir-se-ia que estava pronto para aproveitar o melhor do resto da sua vida. Mas tal como toda a gente dizia: ninguém gostava de Charles Kid McCoy, nem mesmo o verdadeiro Charles Kid McCoy. E, portanto, não houve quem estranhasse que tenha aparecido morto num quarto manhoso do Hotel Tuller, em Detroit. Na mesa de cabeceira um bilhete tocante: «To all my dear friends… best of luck… I’m sorry I could not endure this world’s madness». Não deixava de ser irónico vindo de quem vinha…