São pelo menos 234 as nomeações que Fernando Araújo terá de fazer esta semana para os conselhos de administração das novas 39 Unidade Locais Saúde (ULS) criadas através de decreto-lei no início de novembro. Entretanto, nos hospitais e unidades de saúde vive-se «um verdadeiro pandemónio» para ter as novas estruturas prontas dia 2 de janeiro, data em que o novo modelo entra em vigor, descreveram ao Nascer do SOL fontes hospitalares. Programas de faturação diferenciados, novos programas de gestão de stoks, adaptação da rede informática, milhares de novos códigos para cada artigo de material clínico e hoteleiro, criação jurídica e fiscal das várias entidades. São algumas das várias exigências para a harmonização entre todas as unidades hospitalares e centros de saúde que vão integrar o novo modelo desenhado pela Direção Executiva do Serviço nacional de Saúde (DE-SNS). O processo está a decorrer a velocidade relâmpago, uma vez que a nova reforma só foi formalmente criada em 7 de novembro para estar concluída num mês e meio.
Indiferente ao pedido do PSD para suspender o decreto-lei das novas ULS, e à demissão do Governo, a DE-SNS mantém-se inabalável na sua estratégia. Esta semana publicou as denominações de cada ULS assim como o novo logotipo, que traz a novidade de ser o mesmo para todas elas.
Quanto às nomeações, o processo está a esbarrar em vários obstáculos. Foram recusados pelo menos três convites para substituir Ana Paula Martins como presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (CHULN), que integra o Hospital de Santa Maria, soube o Nascer do SOL junto de fontes ligadas ao processo. Ana Paula Martins demitiu-se esta semana a menos de um ano da sua nomeação em discordância com o modelo das ULS, alegando que esta nova estrutura é «uma simplificação que pode destruir uma obra de décadas». As mesmas fontes adiantaram que as vária recusas se prendem com a circunstância de «ser difícil encontrar alguém que esteja disposto a ocupar um lugar que pode ter os dias contados, tendo em conta a indefinição política que se vive».
O mesmo se passa com as nomeações dos vogais para as novas ULS. Os conselhos de administração vão a partir de agora contar com seis elementos. Além do presidente, farão parte deste órgão dois diretores técnicos (um deles representante dos cuidados de saúde primários), um enfermeiro diretor, um representante do Ministério das Finanças, além de um vogal proposto pelo município da área da nova unidade de saúde ou pela respetiva entidade intermunicipal. E é na indicação dos vogais das autarquias e nos cuidados de saúde primários que Fernando Araújo está a encontrar a maior dificuldade. Pelo menos na área da Grande Lisboa e na região centro. Segundo o Nascer do SOL apurou, a pouco mais de uma semana da entrada em funcionamento do novo modelo, as autarquias de Lisboa, Cascais, Sintra e Oeiras não enviaram o nome dos seus representantes à DE-SNS para a ULS Lisboa Ocidental. Também na ULS de Coimbra a confusão está instalada. No novo modelo, esta ULS abrange 21 concelhos e mais de oito mil quilómetros quadrados, servindo cerca de 400 mil utentes. A Comissão Intermunicipal (CIM) ainda não encontrou um nome consensual para indicar como vogal no conselho de administração, o que obrigou Fernando Araújo a uma comunicação enviada a este órgão. Nesse email, o presidente da DE-SNS dá conta da urgência na decisão e esclarece que não devem ser indicados como representantes presidentes de câmara no ativo e apenas nomes que tenham experiência em gestão hospitalar ou corre-se o risco de serem reprovados pela CRESPA. Tudo isto a poucos dias da conclusão do processo.
Todas estas 234 nomeações que terão de ser concretizadas entre o Natal e o ano novo são feitas apesar de o Governo estar em regime de gestão. A delegação de poderes na DE-SNS concedida pelo Conselho de Ministros (CM) para as fazer caiu no dia na formalização da demissão do Governo, conforme o Nascer do SOL anteviu na altura, mas o PS deu a volta a situação através do seu grupo parlamentar. Com um aditamento à proposta do Orçamento do Estado, uma semana depois da demissão de António Costa, o PS conseguiu que a legitimidade da DE-SNS para as nomeações passasse a ser concedida por força de lei, através do OE, e não por resolução do CM. Uma vez que, se assim fosse, a reforma do SNS teria forçosamente de parar até o novo Governo entrar me funções.
Entretanto, na passada semana, o PSD pediu a suspensão do decreto-lei que cria as ULS. Miguel Pinto Luz, vice-presidente do partido, declarou em conferência de imprensa que o novo modelo é «uma aberrante configuração das ULS que englobam os hospitais centrais, os hospitais universitários e torna ingerível não só a própria ULS, como as estruturas hospitalares de referência». Acrescentando que «não é tempo de fazer essas nomeações apressadas e só com o fito de nomear mais uns boys para alguns lugares». Em declarações ao Nascer do SOL, o social-democrata afirmou que o pedido de suspensão «não significa que o PSD seja contra a criação de novas ULS, o problema é que o modelo está mal desenhado». E aponta como exemplo a demissão de Ana Paula Martins, que saiu da direção do Santa Maria também por estas razões.
Caso o Governo não concorde com esta suspensão e caso o PSD seja Governo a partir de março, garante que «o modelo será alterado». Sendo uma das alterações que poderão ser feitas «retirar os hospitais universitários e de fim de linha na nova estrutura, uma vez que estes têm uma abrangência nacional e uma vocação que não tem cabimento dentro desta estrutura». Caso o Governo não interrompa esta reforma, Pinto Luz alerta para «o risco em se está a colocar a saúde dos portugueses».
Entre atrasos, recusas e a incerteza das próximas eleições, a maior reforma de sempre do SNS, como tem sido anunciada pelo Governo, pode nunca chegar a acontecer.