A tradição manda que a quadra natalícia seja marcada por alguns sabores à mesa. Bacalhau, peru, polvo, sonhos, aletria, rabanadas, filhoses… E se, para alguns, não passa de uns dias de excessos facilmente controlados posteriormente, para quem sofre de distúrbios alimentares pode constituir um pesadelo. A verdade é que o Natal é notoriamente uma época de indulgência: há chocolates, tábuas de queijos, bolos, frutos secos, bebidas, mesas fartas e pratos cheios… Por isso, não surpreende que muitas pessoas acabem por ganhar peso.
Os estudos que existem sugerem que não apenas as pessoas engordam mais rapidamente durante a época festiva, mas também que esses quilos a mais podem ser difíceis de perder. Na verdade, foram realizadas pesquisas específicas para analisar as intervenções para ganho de peso no Natal.
A prospective study of holiday weight gain (Estudo prospectivo sobre o ganho de peso nas férias) revela que era comum afirmar que o americano médio ganhava 2,3 kg ou mais durante o período entre o Dia de Ação de Graças e o Dia de Ano Novo, mas na verdade eram poucos os dados que apoiavam esta conclusão. Assim, para estimar a variação real do peso relacionada com as festas, os autores mediram o peso corporal de uma amostra de conveniência de 195 adultos. Os sujeitos foram pesados quatro vezes em intervalos de seis a oito semanas, de modo a que a mudança de peso foi determinada em três períodos: pré-feriado (do final de setembro ou início de outubro a meados de novembro), feriado (de meados de novembro ao início ou meados de janeiro) e pós-feriado (do início ou meados de janeiro até ao final de fevereiro ou início de março). Uma medição final do peso corporal foi obtida em 165 indivíduos em setembro ou outubro seguinte. Dados sobre outros sinais vitais e medidas de saúde autorreferidas foram obtidos dos pacientes para mascarar o principal desfecho de interesse. Concluiu-se que o peso médio (+/- DP) aumentou significativamente durante o período de festas (ganho, 0,37 ± 1,52 kg; P <0,001), mas não durante o período pré-festas (ganho, 0,18 ± 1,49 kg; P = 0,09) ou o período pós-festas (perda, 0,07 ± 1,14 kg; P = 0,36). Em comparação com o seu peso no final de setembro ou início de outubro, os indivíduos do estudo tiveram um ganho de peso líquido médio de 0,48 +/- 2,22 kg no final de fevereiro ou março (P = 0,003). Entre fevereiro ou março e setembro seguinte ou início de outubro, não houve alteração adicional significativa no peso (ganho, 0,21 kg +/- 2,3 kg; P = 0,13) para os 165 participantes que retornaram para acompanhamento.
Deste modo, os autores chegaram à conclusão de que “o ganho médio de peso nas festas é menor do que o comummente afirmado. Como esse ganho não é revertido durante os meses de primavera ou verão, o ganho líquido de peso de 0,48 kg no outono e no inverno provavelmente contribui para o aumento do peso corporal que ocorre frequentemente durante a idade adulta”.
Para entender melhor todo este fenómeno, o i falou com o nutricionista João Barbosa. “Temos, primeiro, de perceber que tipo de alimentação as pessoas tiveram em excesso durante esta época. Se foi aquela pessoa que passou o mês de dezembro em jantares de Natal, sem controlo nenhum, se foi aquela pessoa que começou a comer no dia 24 de manhã e acabou no dia 1 à noite ou então se foi aquela pessoa regrada que foi a alguns jantares de Natal e exagerou no Natal e no Ano Novo, por exemplo, mas controlou a sua alimentação fora desses momentos”, explica o profissional de saúde. “Estamos a falar de exageros completamente diferentes e a perspetiva de controlo de danos pós-festas não tem nada a ver”, sublinha.
Exercício, sim! “E o que devemos fazer para voltar ao peso que queremos? Temos de ter em conta alguns fatores. Em primeiro lugar, existem coisas como os detox e é algo completamente errado. O nosso corpo tem órgãos especializados para desintoxicar, digamos assim, como os pulmões, os rins e o fígado. Quando fazemos esse tipo de regimes, o peso desce por uma questão de consumirmos menos calorias do que aquelas que gastamos, mas a verdade é que perdemos massa muscular”, observa o nutricionista de Famalicão.
“Há pessoas que adotam estratégias de jejum intermitente e pode ser ou não ser útil: se não comerem durante a manhã, sentirem-se mal e acabarem por na hora do almoço ou no jantar por fazerem algum exagero, acaba por não fazer sentido. Aquilo que se pode fazer é o seguinte: diminuir ao máximo todo o tipo de gordura ingerida; fazer mais exercício físico – não como um castigo por ter comido demasiado -, até como oportunidade de aumentar a hipertrofia muscular; ingerir uma boa quantidade proteica – ajuda-nos a potenciar a massa muscular e sentimo-nos mais saciados; no mês de janeiro, tentar congelar todas as sobras que existem e/ou oferecê-las a familiares, amigos e até pessoas que têm dificuldades financeiras; limitar as calorias líquidas – refrigerantes, sumos, álcool -, pois não nos dão grande saciedade e têm muito açúcar; distinguir os lacticínios magros dos normais – falamos numa diferença calórica muito significativa”, aconselha João Barbosa.
“Para quem tem distúrbios alimentares, é algo muito mais complexo do que falar para a população dita comum, que está bem a nível de comportamento alimentar. Por exemplo, o exercício físico pode ser visto como uma punição. Na minha opinião, temos de explicar à pessoa que, no meio social, é normal comermos mais. E ao avaliarmos a pessoa conseguimos entender o real impacto que aquilo teve. É, no fundo, tentar desmistificar e dizer que uma semana do ano ou dois dias não serão um problema.
O problema é muito maior quando começamos a comer excessivamente no dia 1 de janeiro e acabamos no dia 31 de dezembro”, salienta.
“Se a pessoa seguir um plano alimentar feito por um nutricionista, acabará por ter resultados. Seja a perda ou ganho de peso. Mas o distúrbio alimentar tem de estar minimamente curado. Se não estiver, a Psicologia e a Psiquiatria terão um papel muito mais importante do que o da Nutrição”, conclui o nutricionista João Barbosa.