O Natal já passou e não adianta mentir: de certeza que recebeu aquele presente de que não gostou, que não vai usar, que não faz o seu género. Na maioria dos casos, é fácil saber o seu destino: ele vem acompanhado do talão de troca, por isso é só ir à loja e trocar por qualquer coisa a seu gosto. E quando vem sem talão de troca? Adianta ficar com uma coisa de que não gostamos mesmo?
Rita Guedes é perita nestas situações e é rápida a decidir o que faz. Primeiro, sorri e agradece. “Temos sempre de nos lembrar que a pessoa pode não saber os nosso gostos e, se oferece, é de coração. É sempre preciso agradecer, porque de certeza todos nós também já estivemos do outro lado e oferecemos algo que não foi do agrado de quem o recebeu”. Mas confessa que “durante anos” guardou presentes de que não gostava. “Alguns até cheguei a usar mesmo sem gostar para a pessoa pensar que eu gostei. Agora, não faço isso, despacho todos”. Mas como? “De várias maneiras”.
Alguns começou a fazê-lo pela forma óbvia: ir à loja trocar por algo que seja mais do seu género. Mas nem todos trazem essa opção. Afinal, “quem é que dá um talão de oferta para umas luvas?”. O problema é que não as usa, nunca usou. Quer dizer, “usei uma vez porque o colega de trabalho que me deu esse presente perguntou tantas vezes por elas que não tive outra hipótese”. E confessa que essas luvas ainda tem, nem que seja como recordação, uma vez que já não trabalha com essa pessoa.
É natural que todos os anos se recebam prendas que não se usem ou das quais não se goste tanto. É ‘chato’ dizê-lo à pessoa que as ofereceu. Então, Rita faz de outra forma: “Vai depender sempre de que presente for, mas não fico com ele: ou devolvo, ou vendo ou então vou doar a quem mais precisa”.
Devolver e trocar é sempre o passo mais lógico até porque a maioria dos presentes que recebemos no Natal vem com talão de oferta. É, aliás, do conhecimento comum que no dia a seguir ao Natal, 26 de dezembro, as lojas dos centros comerciais contam com grandes filas para as trocas. E até aqui podem existir truques, explica Rita. “Além de o dia 26 ser o dia em que as pessoas mais trocam prendas, é mais ou menos por esta altura que começam os saldos. Imaginando que recebo um casaco de 50 euros do qual não gosto, posso trocá-lo por mais peças até perfazer esse valor”.
Lídia Henriques, que trabalha numa loja de roupa, avança: “Não imagina a quantidade de pessoas que vai aos centros comerciais trocar prendas de Natal. Fazem filas. Logo nos primeiros dias, a maioria não vem aproveitar os saldos, vem mesmo fazer trocas”. E é nestas trocas que se percebe que a maioria das coisas são presentes indesejados. “As pessoas, na sua grande maioria, não vêm trocar o tamanho, vêm mesmo trocar o produto. Isto quer dizer que não se gostou do que se recebeu”.
São coisas que acontecem e é preciso lembrar que quem dá, dá por gosto. Mas nem todos gostamos do mesmo. Sílvia prefere agradecer e fazer o bem. “Acontece-me todos os anos. Tenho uma família enorme que ainda se junta todos os natais e há sempre aquela tia a oferecer as meias, aquele avô a dar-nos luvas. São presentes úteis, mas que fazem mais falta a quem deles precisa do que a mim”. Por isso, Sílvia junta tudo aquilo que recebeu no final de todos os natais e faz a divisão: “Preciso mesmo disto?” Se a sua cabeça disser que não, então esses presentes vão para instituições de caridade mais próximas da sua casa. Vender o que recebeu, para si, está fora de questão. Mas, tal como os nossos gostos não são todos iguais, os nossos pensamentos e ideias também não.
Fábio Campos é perito em ‘despachar’ o que não lhe interessa. “Vendo”, diz ao i como se a resposta lhe estivesse na ponta da língua. E justifica-o com facilidade. “A pessoa quis dar-me uma prenda, eu não gostei mas posso tirar proveito disso. Supomos que recebi uma t-shirt que não faz o meu género. Vendo por 10 euros e é como se essa pessoa me tivesse dado 10 euros”.
Olhando para todas estas ideias do que fazer com as prendas de Natal às quais torcemos o nariz, falta aqui uma – e talvez a mais arriscada: guardar esse presente e dar a outra pessoa. O i falou com várias pessoas e percebeu que essa até é uma prática comum, mas há um segredo: é preciso lembrar sempre quem ofereceu esse presente mas não ter a pontaria de, mais tarde, o oferecer à mesma pessoa. E é preciso também verificar se o presente não vem com alguma identificação – uma dedicatória num livro, por exemplo – que confirme a quem o recebe ‘em segunda mão’ que aquele presente já lhe tinha sido dado a si.
Todas estas ideias parecem uma boa sugestão, mas há também quem não o consiga fazer. Filipa Soares perdeu a conta aos presentes que tem em casa sem saber o que fazer. Ou vieram sem talão de troca, ou simplesmente não tem coragem de o fazer: “Se as pessoas oferecem, é com gosto. E custa-me desfazer-me das coisas”. E mostra-se positiva: “Quem sabe um dia não mudo de gosto e uso”. Até lá, estão arrumados numa prateleira que tem em casa propositadamente para o efeito.