Embora eu não seja entusiasta da época natalícia nem precise do calendário para afetos familiares, faço uma concessão ao espírito e trago ao convívio dos leitores a minha avó Dolores. Usando a expressão popular irónica (embora carinhosa), dizia ela, quando eu ou o meu irmão, vítimas das nossas travessuras, machucávamos cabeça, braços ou pernas: “É bem feito!”.
Queria ela dizer, educativamente, que fizéramos por isso, e portanto que não nos queixássemos e, por outro lado, que procurássemos aprender para o futuro. Ora, se ela cá estivesse, provavelmente diria o mesmo a políticos que se queixam do Ministério Público (por o mesmo “fazer o que quer e como quer” – nas palavras do dr. Rio, que tem alguma razão, exceto na generalização (que aliás é uma coisa injusta e perigosa, seja onde for), pois não é todo o MP, são alguns magistrados ou alguns grupos deles, com a pelo menos cúmplice passividade das hierarquias. E eu, agora que já não sou criança, era bem capaz de acompanhar a minha avó na sentença.
Não que as queixas ou algumas delas não tenham razão de ser, mas muitos políticos (uns por omissão e alguns por ação) puseram-se e puseram-nos a jeito – a jeito de, por exemplo, alguns magistrados fazerem as coisas com pouco tino, de não prestarem contas a ninguém e/ou de através das suas ações em processos se meterem na ação política (como também, noutros, na ação empresarial e outras).
E puseram-se a jeito por omissão, porque não quiseram saber do assunto para nada, ou quiseram mas tiveram medo de se meter nele, seguindo uma linha fácil e aqui e ali hipócrita de ‘à justiça o que é da justiça’, lavando as mãozinhas (e calando a palavra) como Pilatos. Ora, à justiça o que é da justiça no sentido da autonomia, isso sim, está muito bem, e cá me têm na primeira linha de defesa disso. Mas já não no sentido de a justiça não ser um tema político, algo que interessa ao Governo da pólis. Interessa, e muito. E, além de interessar, o MP tem deveres de prestar contas, nomeadamente, e para além dos cidadãos em geral, ao Presidente da República e à Assembleia da República, dois órgãos de soberania que ao longo dos anos fizeram (e fazem ainda) vista grossa e ouvidos de mercador aos temas sobre os quais se impunha atenção, palavra e até porventura ação. Mas nada, que o politicamente correto, o ar dos tempos ou o receio das carpideiras do costume sobre o mantra ‘partir a espinha ao MP’ aconselham à omissão, não vá o diabo da impopularidade ou outro demo qualquer tecê-las. Pois, agora, ou antes, ou no futuro, quando se queixarem, cabe citar a Dolores, e “É bem feito!”.
Por outro lado, muitos pecaram por ação, pois, para além da tolice, que já vem de longe, de retirar confiança política ou reclamar demissões por causa de investigações ou de constituições de arguido (e bem fez o dr. Moreira ao não se demitir, e logo o elogiei publicamente), não têm resistido a usar os processos uns contra os outros, como se nunca lhe caísse em cima e como se, quando toca aos outros, o que o MP faz fosse sempre à prova de bala e certíssimo e como se ser investigado ou arguido fosse algum anátema político (metendo, afinal, a justiça bem dentro da política). São inúmeros os exemplos, podendo escolher-se, por todos, a frase recente do dr. Montenegro sobre se perante um parágrafo como o agora célebre se demitiria. Disse ele, em resposta, que nunca faria nada que motivasse aquele parágrafo num comunicado. Ora aí está uma frase lamentável, que em matéria de “É bem feito!” ombreia bem com o “à justiça o que é da justiça” que o dr. Costa em tempos erigiu em hábil, mas curto, axioma sobre estas coisas.