Não sou fã da nossa Constituição. Dir-se-á, em abono da verdade, que tem funcionado ao longo dos anos. Mas pode argumentar-se, em sentido contrário, que contribui para a estagnação do regime democrático, que é pelo menos aparente senão evidente. Pela sua natureza, a lei fundamental beneficia os partidos que a votaram e que, sem grande remorso, estão irmanados na defesa do status quo. Até porque repartem entre si inúmeros privilégios….
Entre preâmbulo, 296 artigos e mais de 30.000 palavras, a Constituição é maçadora, repetitiva, obsessiva nos detalhes e fértil em minudências. Aliás, o texto constitucional estabelece limites à sua revisão e assim protege-se dos cidadãos. Veja-se como o artigo 115.º sobre o referendo determina que estão excluídas do seu âmbito as alterações à Constituição.
Apesar das sete revisões constitucionais terem retirado algum do seu conteúdo ideológico, subsistem na Constituição vários fósseis – como o artigo 94.º, relativo à eliminação dos latifúndios – e muitas irrelevâncias – como os seis artigos dedicados ao Conselho de Estado, que mais não é do que um órgão consultivo cujos pareceres não são vinculativos.
A mais recente crise política devia, por isso, inspirar-nos a pensar numa nova Constituição, uma vez que a sua revisão está condicionada. Era pertinente, por exemplo, reavaliar os mecanismos que determinam o poder presidencial de dissolver o Parlamento. Trata-se de uma prerrogativa excessivamente arbitrária, atribuída a um órgão de soberania uninominal, que não tem outros poderes relevantes mas dispõe dessa ‘bomba atómica’.
Marcelo Rebelo de Sousa entendeu, logo que o PS alcançou a maioria, que dissolveria o Parlamento se António Costa deixasse o cargo de primeiro-ministro. E cumpriu essa promessa. Com a demissão de Costa, decidiu terminar a legislatura. Por muito que essa decisão possa agradar à maioria dos portugueses, por muito que o presidente tenha essa convicção, a verdade é que o PS dispõe de maioria e podia ter apresentado um novo Governo.
Dissolver o Parlamento é, seguramente, uma decisão excessivamente dramática para depender apenas da vontade ou da convicção de uma pessoa. E não é pelo facto de o regime ser republicano que devemos aceitar regras que se assemelham às do ancien regime pré-liberal…
Também me parece importante revisitar a questão dos direitos, liberdades e garantias. Este conjunto de preceitos constitucionais está desadequado das novas realidades e necessidades, nomeadamente em matéria ambiental.
Comemorar os 50 anos do 25 de Abril não deve ser um exercício saudosista. Constitui uma oportunidade para reavaliarmos o estado do regime, para apreciarmos criticamente se a sua estrutura tem correspondência com a nova realidade social, política e económica. E, neste sentido, ponderar se necessitamos de uma nova Constituição, expurgada de regulamentações burocratizantes.
Idealmente, os textos constitucionais devem conter disposições genéricas e permanentes, que resistam às mudanças, salvaguardando o essencial. Não me incomoda que se mantenha o preâmbulo, que foi imposto pelo MFA e tem uma patine histórica.
Em qualquer caso, a futura Constituição devia devolver o nome ao nosso país. Sou português e quero ser cidadão de Portugal, e não da República Portuguesa. Esta nomenclatura oficial sobrevaloriza o regime vigente em detrimento da nação, que existe como Estado independente há quase 900 anos.
Um texto envelhecido
Apesar das sete revisões constitucionais terem retirado algum do seu conteúdo ideológico, subsistem na Constituição vários fósseis.