Este ano é que é. Este ano vamos todos emagrecer, começar a correr e inscrever na ginástica, fazer uma viagem inesquecível, poupar dinheiro, fazer uma arrumação estrutural em casa, planear o ano todo, comprar uma agenda, escrever um diário, não deixar para amanhã o que posso fazer já, comprar os presentes de Natal no verão, participar em projetos comunitários e de voluntariado, estar mais presente na vida dos mais próximos, educar melhor e com mais paciência, jantar todos os dias à mesa e mudar o governo da nação. 2024 é que vai ser. Depois, é só prosperidade, riqueza, felicidade, animação e bem estar. Em casa e no país. Nós portugueses, somos como as crianças, adoramos recomeços. As crianças não querem saber onde vão, querem ir, também não lhes interessa a razão da festa, querem festejar, deliram com cadernos por estrear, ténis por estrear, livros novos e presentes por abrir. A adrenalina da surpresa diária é aquilo que as faz levantar da cama aos saltos e numa ânsia de viver como se tivessem acordado de anos em coma. A rotina dá cabo das crianças. A continuação aborrece-as profundamente. Continuar a escrever no caderno antigo que só tem duas páginas utilizadas, herdar roupa dos irmãos que até pode estar novinha, fazer todos os dias a mesma coisa sem grandes aventuras e surpresas, desespera-as. Criança que é criança vive com os olhos esbugalhados a tentar descobrir a novidade nas coisas de sempre. Quando não descobrem, provocam: pintam paredes para ver como é que fica, escavam buracos para ver como se fez o mundo, bloqueiam o buraco de onde sai o carreirinho de formigas para ver como elas se safam, atiram pedras aos candeeiros para ver se eles se apagam. A imaginação não é o limite, mas sim a experimentação. As crianças não gostam das coisas como estão, gostam de como vai ser sem fazer ideia do que pode ser. O que as atrai é a surpresa do desconhecido. O nervoso miudinho da ignorância é que lhes dá alento e desperta a curiosidade que nem o medo consegue contrariar. E arriscam até ao limiar do precipício, altura em que o instinto de sobrevivência as faz recuar ou os adultos lhes puxam as orelhas e as fecham no quarto. Uma criança não tem noção de fim e tem uma fé sem limites na sua capacidade de sobrevivência. Nem concebe a existência de outra maneira. Depois, crescemos e rendemo-nos à previsibilidade do dia-a-dia com a plena convicção de que estabilidade é sinónimo de felicidade. Arrumamos a curiosidade num cantinho e vivemos a nossa vidinha com medo de a estragar. Quanto menos sobressaltos, surpresas e novidades, melhor. São tudo coisas que fazem mal à saúde assim como açúcar.
Devia ser assim, e é isto que quer dizer crescer, mas nós portugueses não somos assim. Nós não temos consciência da nossa finitude, somos eternos como a História tem provado ao longo de séculos e séculos de existência sem nenhuma explicação cabal. Serão os heróis que enchem os livros de História ou a intervenção de Nossa Senhora, padroeira de Portugal, a quem devemos a sobrevivência? Ninguém sabe. E todos os anos fazemos as mesmas promessas: este ano é que vamos crescer e começar a fazer as coisas como verdadeiros adultos. Com planeamento, previsibilidade, juízo e maturidade. Mas nunca dá. Chega ali a meio de janeiro e lá se vai a dieta e a poupança. Somos nós e os país. Mas este ano é que vai mesmo ser.