Dezembro passado, passaram dez anos, sobre o assassinato de seis jovens na praia do Meco, num institucional exercício do ensino de esclavagismo, hoje apelidado de inclusão. Para te aceitarem no seio de uma comunidade académica, terás de ser humilhado. Humilha-te e te salvarás. Que os deputados tecendo leis como aranhas as suas teias, não tenham ilegalizado esta enodoa prática de poder sadomasoquista, mancha tanto a família política democrata, como o meio académico que eles trajam. Justiça dez anos depois, igual a zero. Ano novo, justiça zero? Onde estão os cravos vermelhos, para as famílias dos estudantes mortos? Murchas na tumba de cada um desses jovens, efémera como foram as suas vidas.
Os cravos são uma imagem do acaso. Ou da tal senhora que mandada pelo patrão à rua Garret comprar flores, se deteve pelo caminho e foi assaltada por quem terá ido enfiar as ditas flores nos canos das G3 dos militares, cercando o largo do Carmo em Lisboa. Diz-se que foi um fotógrafo francês, em busca de belas fotos, outros juram que foi iniciativa dos populares em redor, por fim que foi a própria senhora carregada de cravos, ao se emocionar pela possibilidade de a guerra colonial terminar.
Sim porque desenganem-se, que os Otelos, os Vascos etc deram a golpada para se livrarem de combater em África, não para livrarem os portugueses da ditadura. Como a ditadura de Salazar estava podre, o Marcelo de então não foi lesto em findar o despotismo e o Spínola aceitou liderar o futuro, tudo ruiu.
O PREC tratou logo em setembro de arrumar o futuro do marechal e o resto é história, com várias histórias da carochinha à mistura. São estes, que os cravos comemoram? Sim, são. Mas festejarão os capitães de abril ou o sectário sonho do PREC? Pelo que ouço, será sobretudo o segundo, por esse motivo os cravos nunca saem à rua em novembro, a celebrar o outro 25. Porque o desejo desses cravos, era o de trocarem uma ditadura por outra, e nunca pela democracia e a liberdade, que Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, António Arnault, Ramalho Eanes, Gonçalo Ribeiro Teles e o Jorge Sampaio defenderam, entre tantos mais.
Foi uma época áurea essa, contudo os desafios da nossa atual, são maiores que os de há 50 anos. Desengane-se de novo, quem achar o contrário.
Antes de mais, temos de limpar a sociedade dos aldrabões que dela se apoderaram. Da política à banca, da justiça aos sindicatos, empresas, e qualquer outro tecido social. Essa limpeza não se faz com purgas, nem caça às bruxas porque tal só abriria o caminho para novas ditaduras. Então como fazer? Deixar a justiça funcionar. Que parece ser algo que assusta os políticos, apesar de terem sido eles a criarem uma teia de leis, que safa sempre os poderosos, onde os processos são extintos e nunca eles são julgados, como aliás podemos constatar. Para os pilha-galinhas, a justiça é sempre célere.
Temos de acreditar todos nós um a um, dia a pós dia, como um prisioneiro escavaria um longo túnel para escapar da sua prisão. Porque somos todos prisioneiros desta ideologia, onde nos deixámos aprisionar: a ideologia do comodismo.
De um lado temos gente que se acredita serem guerreiros de uma missão. Nem importa que o Lenine e o Estaline tenham sido quem foram, porque aquilo afinal dizem agora, “não foi bem o socialismo, nem o comunismo”. Eram profetas então, porque são eles os apóstolos da desgraça, os Messias da Salvação. O romantismo tem destas coisas, vêm-se a si próprios, como bravos minotauros em busca de uma saída perdida. Vagueando pelo labirinto, destruindo o que há, uma vez que são incapazes de contruir o que merecemos.
Do outro lado do ringue estão a maioria de todos nós, acomodada às cómodas de estilo inglês, com gavetas para tudo, e armários onde regressam dormir bem aprumadinhos. São os santinhos da casa portuguesa com certeza, muitos filhos da mãe achando-se serem apenas filhos do pai, uns mariquinhas outros tabuinhas. Passam os dias alterando como Dr. Jekyll e Mr. Hyde, entre o sorrirem de cócoras e o ufano a porem-se em bicos dos pés, dependendo com quem estão a falar. Gente para quem tudo está bem, desde que o seu cartão bancário lhes permita irem gozando a vida nos supermercados. As suas vidas, unicamente.
Dito isto, vamos lá alegrar 2024 e festejar com os cravos, as farturas, os manjericos e as ginjinhas, porque o que é português é bom, bonito mas já não é barato. Ora é sobretudo isto que eu temo que festejem, a qualidade de vida portuguesa que perdemos, a personalidade portuguesa que diluímos como aguarelas para turistas de chinelas no pé.
O pior seria vivermos um cinquentenário pastiche, um prolongado do Carnaval desde a Quaresma até ao advento pós Halloween. O pior, temo, será taparmos os olhos com os cravos, para esconder a cabeça das atuais guerras sociais em Portugal, na habitação, saúde, pobreza, ensino, justiça. Não esperem que os políticos tenham soluções, para os problemas que eles mesmo nos arranjaram. A solução é nossa, dos cidadãos arregaçarem as mangas juntos, ou continuarem a assobiar cada um para o seu lado.
Os meus votos? Resguardem-se em Portugal os cravos, enquanto não forem libertos os novos escravos.