Se a Lua, que está a cerca de 400 mil quilómetros da Terra, influencia as marés (e, há quem diga, as gravidezes), não poderão os astros ter influência no comportamento dos seres humanos, provocando também altos e baixos? Se os navegadores dos Descobrimentos se orientaram pelas estrelas na vastidão dos oceanos, não poderemos nós também consultá-las para sabermos como conduzir as nossas vidas?
A relação entre o homem e os astros vem de tempos imemoriais. Só para dar dois exemplos, os pedregulhos do círculo de Stonehenge, erguidos há cerca de cinco mil anos, estão alinhados com o solstício de verão; e as pirâmides dos faraós apontavam para a estrela polar.
“As influências celestes são causas universais, cuja ação sobre um dado indivíduo dependerá em primeira linha das ligações que se apresentem no momento do seu nascimento entre os astros e as Casas astrológicas”, escreveu no século XVII o astrónomo, matemático e astrólogo francês Morin de Villefranche.
Do astrólogo do rei aos horóscopos
Outrora, na Idade Média e no Renascimento, era comum reis e até papas terem o seu astrólogo de serviço, a quem recorriam sempre que tinham de fazer uma deliberação importante. Na corte francesa, foi só Luís XIV – curiosamente o Rei-Sol – quem acabou, em 1682, com o cargo de astrólogo do Rei, abrindo caminho a processos de tomada de decisão mais racionalistas.
Hoje, com a proliferação de profissionais com nomes exóticos e reputação duvidosa, que se publicitam em cartões de visita distribuídos à saída do metro, a astrologia está grandemente desacreditada e são raros aqueles que admitem recorrer aos seus serviços. Alguém no seu perfeito juízo acredita que colocar um pacote de leite e um quilo de açúcar a um canto da casa, como chegam a recomendar alguns desses adivinhos, o vai ajudar a conquistar o amor ou a prosperidade?
Em todo o caso, persiste uma certa curiosidade em relação aos horóscopos publicados na imprensa. E, se estes disserem que o ano vai ser propício para o nosso signo do ponto de vista da saúde, dos afetos ou do dinheiro, ainda melhor. Mesmo que, pensando bem, não faça muito sentido que todas as pessoas nascidas entre determinados dias do ano tenham fados semelhantes.
Números da sorte e números proibidos
Se é verdade que hoje os principais decisores já não consultam astrólogos – pelo menos às claras –, o facto é que certas superstições continuam a vigorar entre políticos, empresários e desportistas de alta competição. Este acha que ter o número 7 nas costas o fará marcar mais golos (há não muito tempo, havia quem usasse medalhas de Nossa Senhora dentro das meias para o mesmo efeito); aquele assina os documentos importantes com a sua caneta da sorte; o outro só concretiza negócios num certo dia da semana ou do mês, que considera mais favorável. Em sentido inverso, há números que transportaram em si uma forte carga negativa:na tradição ocidental, o 13 (provavelmente por ser o número de pessoas à mesa na Última Ceia); no Oriente, o 4 (1+3) é considerado tão aziago que há prédios na China que nem têm esse andar, passando diretamente do 3º para o 5º. São claramente números a evitar.
A música das esferas
Embora hoje seja vista com desconfiança, a astrologia tem uma ilustre linhagem. Fundada provavelmente na Suméria no quarto milénio a.C., foi praticada pelos egípcios, pelos gregos e pelos romanos. Heródoto, o ‘pai da História’, escreveu que “constatando o dia do nascimento de uma pessoa, conseguimos prever a sorte que a espera”.
No Renascimento, a astrologia conheceu um novo impulso. Marsilio Ficino, o grande humanista e filósofo neoplatónico (1433-1499), defendia que era possível, através da música, atrair as influências benignas dos planetas – na altura, acreditava-se que a rotação de cada um dos sete planetas do sistema solar produzia uma vibração específica que correspondia a uma das sete notas da escala musical. E chegou a descrever como, na Apúlia, as picadas de tarântula eram curadas com uma música especial.
Estranhamente, estas ideias não eram mal vistas em certos círculos da Igreja, e até houve papas que cultivaram as artes mágicas. O dominicano Tommaso Campanella (1568-1639) convenceu o Papa Urbano VIII, que precisava a todo o custo de proteger-se da influência perniciosa de dois eclipses, a praticar rituais pouco ortodoxos. “Primeiro isolavam o quarto do ar exterior, depois borrifavam-no com vinagre de rosa e outras substâncias aromáticas, e queimavam louro, mirtilo, rosmaninho e cipreste. Penduravam panos brancos de seda e decoravam o quarto com ramos. Então, duas velas e cinco tochas, representando os sete planetas, eram acesas; […] Havia música Jovial [Júpiter] e venérea [Vénus], que servia para dispersar as qualidades perniciosas do ar infectado pelo eclipse e, simbolizando os bons planetas, expulsar as influências dos maus”, descreveu o académico D. P. Walker no clássico Spiritual and Demonic Magic – From Ficino to Campanella.
Para que servem os astrólogos?
A convicção de que rituais deste género podem proteger-nos é tida hoje como, no mínimo, ridícula. E mesmo a capacidade da astrologia para revelar o futuro – estando 2024 agora a começar, como gostaríamos de saber o que nos reserva! – não é tida em grande conta. Mas mais do que os horóscopos e as previsões, como nos explica nesta edição João Medeiros, a astrologia pode ser uma ferramenta poderosa de autoconhecimento. Não serve para dizer qual vai ser a combinação do Euromihões, quem vai ganhar o campeonato ou quando vai terminar a guerra na Ucrânia. Mas pode ajudar a revelar tendências ou facetas desconhecidas de nós próprios.
Quanto às previsões, por que precisamos tanto delas? A verdade é que procuramos estratégias para lidar com as incertezas que nos esperam. Todos sabemos que não podemos controlar o futuro, mas não se perde nada em tentar.