O Parlamento deu o primeiro passo para a introdução de nomes neutros em Portugal depois da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República ter aprovado, nesta quarta-feira, uma proposta que permitirá às pessoas optar por um nome neutro, acabando assim com a atual obrigatoriedade de os nomes próprios terem de ser identificados com o sexo masculino ou feminino. Por exemplo, Rafa, Alex ou Cris, passam a ser válidos para qualquer sexo.
Segundo o deputado socialista Pedro Delgado Alves, citado pela Lusa, o novo texto traz outra “mudança cirúrgica” que acaba com a “discrepância” existente quando as pessoas mudam de nome e de sexo no Instituto de Registos e Notariado mas não alteram o nome nos documentos dos filhos e dos cônjuges. É de sublinhar que a proposta ainda será votada em plenário.
Atualmente, o Código do Registo Civil determina que os nomes próprios registados sejam portugueses, “de entre os constantes da onomástica nacional ou adaptados” e não suscitem “dúvidas sobre o sexo do registando”.
Além disso, essa alteração do nome nos assentos de nascimento e casamento depende do consentimento dos filhos e do cônjuge, respetivamente. Ou seja, quando a lei entrar em vigor, as pessoas passam a ter o direito de mudar o nome nesses assentos, sem estarem dependentes da autorização de terceiros.
A posição dos partidos
Quatro projetos de lei sobre a autodeterminação de género no registo civil e o reconhecimento de nova identidade nas certidões de casamento e de descendentes já haviam sido discutidos em maio de 2023. À data, apresentados pelo PS, BE, PAN e Livre, as iniciativas acabaram por não ser votadas. Por isso, a votação de um texto alternativo foi adiada para esta quarta-feira. Nessa altura, o PS dizia que a lei impede atualmente as pessoas com identidades de género não-binárias – que não se consideram estritamente masculinas ou femininas – e as pessoas “transexuais e intersexuais que, por vontade pessoal ou por outro motivo, não mudem o seu sexo no registo civil de afirmarem plenamente a sua identidade pessoal”.
Porque, para haver mudança de nome por falta de identificação com a identidade que consta no registo é necessário mudar o sexo nesse registo, o que “contraria o espírito” da lei da Identidade e Expressão de Género.
Na quarta-feira, a proposta teve os votos favoráveis de todos os partidos presentes (PS, PSD, BE e IL), menos dos deputados do Chega que integram esta comissão parlamentar. Os deputados do partido liderado por André Ventura consideram que o novo texto é “um retrocesso” e está a fazer um “caminho absurdo”, nas palavras da deputada Rita Matias. Já o Livre, o PAN e o PCP não estiveram presentes. Emília Cerqueira, deputada do PSD, disse não ter “grandes reparos a fazer à iniciativa” que o partido considera ser “mais justa e universal”.
Para o BE, este “não é um texto de substituição, porque não abrange todas as alterações que tinham apresentado”. Recorde-se que o partido tinha apresentado uma proposta que previa o direito das pessoas intersexo – que não se identifiquem com o género masculino ou com o género feminino – “não terem qualquer menção de sexo no cartão de cidadão”. Ou seja, o BE pretendia que fosse omitido o sexo da pessoa no cartão do cidadão, a pedido do próprio.
No entanto, segundo Pedro Delgado Alves (PS), “a alteração não é exequível em tempo útil”. De acordo com o mesmo deputado, a mudança obrigava a “reconfigurar todo o sistema informático”, o que “não é tecnicamente viável num curto prazo de tempo”. Além disso, a hipótese de fazer a alteração apenas no cartão de cidadão físico não foi contemplada porque “obrigaria a uma reconfiguração do cartão, que também não é exequível com o tempo que temos”, acrescentou o socialista.