A ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros e a artista Aurora D’Outrora lançaram, na quinta-feira passada, uma campanha de alerta contra a violência doméstica. “Com a experiência na proximidade das histórias verídicas, acho que ainda existe muito para mudar. As mulheres ainda ficam reféns financeiramente, os juízes ainda desvalorizam, as queixas não originam medidas mais pesadas”, começa por dizer, ao nosso jornal, Francisca. “O que origina: mortes e mais mortes. É preciso acordar! Todos os dias recebo pedidos de ajuda onde não existem meios para colmatar as necessidades de todas as mulheres e crianças, reféns de um sistema que não as protege!”, sublinha, acrescentando que “a campanha já teve a adesão de 200 mil pessoas, centenas de partilhas e a partilha de personalidades como as atrizes Sara Barradas e Luana Piovani e o ator Ricardo Monteiro”.
“Há um ano estava a passar por uma fase muito difícil da minha vida e decidi que queria contar a minha história e a forma como tenho criado. E como isso me tem ajudado a superar as minhas emoções e as fases mais árduas. Quando comecei a contar a história da minha vida sabia que eram coisas um bocadinho difíceis e comecei a pensar de que modo podia, a nível de imagem, suavizar a mensagem que queria transmitir. Até para cativar mais as pessoas e para não tornar a história numa coisa tão sombria. Então, lembrei-me de fazer os stop motions com bonecos de plasticina ou com desenhos. Achei que seria uma forma interessante de chegar a mais pessoas”, explica, à sua vez, Aurora D’Outrora.
“Entretanto, a Francisca cruzou-se com um dos reels que tinha feito sobre o tema da violência doméstica, acerca de uma história verídica, de uma cena que se passou em minha casa quando era criança, e propôs que colaborasse com ela. É preciso que todos reflitam sobre este problema: temos de parar de fingir que ele não existe. Lembro-me de ser pequena, de um vizinho espancar a mulher e ninguém intervir. Esta ideia de normalidade em relação à violência doméstica continua enraizada”, continua. “O homem continua a ser visto como a figura dominante na dinâmica familiar, a quem é permitido determinado tipo de comportamentos violentos. E não falo só de violência física, mas também psicológica, social, financeira, etc. Temos de deixar de considerar que ‘entre marido e mulher não se mete a colher’. Somos todos responsáveis por este crime. Temos de educar as nossas crianças para que estejam alerta”.
No período de julho a setembro de 2023, foram divulgados indicadores estatísticos sobre crimes relacionados com a violência doméstica e homicídios voluntários nesse contexto, disponíveis no Portal da Violência Doméstica. Durante esse trimestre um total de 1.478 pessoas foram acolhidas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, com 50,1% sendo mulheres, 48,6% crianças e 1,3% homens. Comparado com o mesmo período de 2022, houve uma diminuição no número total de pessoas acolhidas, mas um aumento de 3,8 pontos percentuais no número de crianças acolhidas em 2023; 317 vítimas foram transportadas, e 5.110 pessoas foram beneficiadas pela medida de proteção por teleassistência no âmbito do crime de violência doméstica e um total de 8.443 ocorrências foram comunicadas à Polícia de Segurança Pública (PSP) ou à Guarda Nacional Republicana (GNR).
Foram aplicadas 1.211 medidas de coação de afastamento a agressores no crime de Violência Doméstica, sendo 77% delas com recurso a vigilância eletrónica. Além disso, 2.616 pessoas foram integradas em programas para agressores e registadas 4 vítimas de homicídio voluntário em contexto de Violência Doméstica durante esse trimestre, sendo 3 mulheres e 1 homem. Desde o início do ano de 2023, o total de vítimas é de 18, incluindo 14 mulheres, 3 homens e 1 criança. Estes dados são recolhidos por diversas entidades, como a Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, que coordena a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica.