O centro de gravidade da vida política portuguesa é, sem sombra de dúvida, o incontornável Chega. Seria interessante perceber porquê, para além da leve espuma dos dias das razões que o não são. E o motivo é apenas um e só um: André Ventura ‘c’est l’empêcheur de tourner en ronde’. Em bom português, aquele que ‘vem estragar os arranjinhos’ que embalavam a classe política portuguesa na sua doce sonolência das posições adquiridas e nunca discutidas, na alternância supostamente ‘civilizada’ à volta da mesa do orçamento e, last but not the least, na amigável divisão interpares dos infinitos escaninhos ocultos no labirinto da máquina do Estado.
Em Portugal há quarenta e muitos anos que os mesmos atores políticos fazem política como se o mundo não tivesse mudado ao longo desses quarenta e muitos anos. Os nossos políticos dos partidos que a si próprios se intitulam de ‘respeitáveis’ estão hermeticamente fechados no mundo a preto e branco que nos espreita das reportagens da RTP Memória, com os Taunus 12M, os carochas roncantes e os táxis matateus a arrastarem-se pelas ruas de uma Lisboa só há pouco saída do Costa do Castelo ou de O Leão da Estrela. Os nossos políticos ‘responsáveis’ não fizeram o percurso que vai do pesado telefone de baquelite colado à parede de casa até ao iPhone 15. Ainda discam o número, não o pedem à Siri.
São dois mundos irreconciliáveis, o real dos homens comuns, que vivem no hoje e o fictício dos habitantes da bolha, que vivem em 1976.
Chega a ser dolorosa, por exemplo, a visão que o provinciano da bolha tem daquilo que ele imagina ser um verdadeiro ‘homem de Estado’. Uma visão que não passa de uma versão caricaturada, pomposa e vazia, de um daqueles velhos lordes ingleses que entravam na política perdendo tempo e dinheiro porque – bons tempos – a entendiam como causa pública, e não causa própria.
Para o provinciano emergente da bolha, homem de Estado era o saudoso Gouvarinho do Eça, e não Churchill que era gordo, fumava charutos, bebia como um carroceiro, dizia palavrões e saía da cama só às duas da tarde.
Mas André Ventura e o Chega, com a ajuda da ‘vil canalha’ espetaram um alfinete na bolha e aquilo esvazia todos os dias a olhos vistos.
E, voltando ao princípio: os náufragos da bolha, centristas, sociais-democratas, socialistas, jornalistas (muitos) e comentadores quase todos) ou seja, todos os ex-habitantes daquele mundo irreal e a temperatura constante, os expulsos daquele cocoon macio e felpudo, horrorizados pela descoberta do mundo real que a implosão da bolha lhes está a trazer, todos em uníssono culpam André Ventura, e o Chega e os seus dirigentes ora tidos por grunhos, ora por inexistentes, ora, paradoxalmente, pelas duas coisas ao mesmo tempo e ainda os zangados e os taxistas, as costureiras e os marmelistas e todas as demais profissões tidas por de baixa extracção por essa neo-neo-elite que, na sua maioria, finge não conhecer os pais quando, acompanhados por amigos, se cruzam com eles na rua.
Mas, o mais importante, o que é vital e incontornável, é que culpam André Ventura e o Chega em vez de se culparem a si próprios pelo estado a que chegaram e a que deixaram chegar o país. E por tudo o mais ao longo dos anos feito e que a PGR está, paulatinamente, a trazer à luz do dia. Mas isso é outra história e bem mais grave que o desenrolar do processo, nos próximos meses seguramente nos contará.