Obras na Portela: ‘Não era preciso a CTI para isto’

A ANA vai ter que fazer obras na Portela, depois de o Governo ter invocado incumprimento do contrato de privatização

O Governo criticou o investimento da Vinci no aeroporto de Lisboa, afirmando que está 19% abaixo do previsto na privatização. E as críticas não se fizeram esperar, com a concessionária a afastar as acusações. Em causa está o prazo de 120 dias dado pelo Executivo à ANA Aeroportos para apresentar projetos para o cumprimento das obrigações específicas de desenvolvimento no Aeroporto Humberto Delgado, cujas obras têm de estar concluídas até 2027. São matérias inscritas numa resolução publicada em Diário da República.

Ao Nascer do SOL, Pedro Castro, especialista em aviação e diretor da SkyExpert, diz que só há uma pergunta a fazer: “Porquê só agora”». E explica: “Se a ANA-Vinci estava obrigada a fazer obras e se desde, pelo menos 2016, que este Governo tinha reconhecido o problema da falta de capacidade da Portela, por que razão este decreto apenas surge quase oito anos depois?”.

A resolução do Conselho de Ministros avança que “o investimento que a concessionária tem vindo a fazer” no aeroporto da capital “não se revela suficiente para garantir a resposta expectável e desejável» devido «à evolução da procura”.

A ANA afasta qualquer mal-estar que possa ser causado por esta decisão do Governo e diz que esta resolução “decorre de conversações com o Governo desde há uns anos sobre a priorização dos investimentos no Aeroporto Humberto Delgado”. Por isso, diz receber positivamente “o esclarecimento do concedente sobre essa priorização assim como, de forma mais abrangente, sua orientação para as soluções de curto prazo no atual aeroporto enquanto não se define a solução para a expansão da capacidade aeroportuária”.

Garantindo ter sido sempre proativa e apresentando soluções ao longo dos anos, a empresa liderada por Thierry Ligonnière diz ao Nascer do SOL que reafirma o seu compromisso “na realização dos projetos úteis ao bom funcionamento do Aeroporto de Lisboa, tendo já avançado com  o projeto de ampliação do terminal sul e criação de nova placa de estacionamento”. 

E acrescenta que este projeto de grande dimensão “tem como propósito acrescentar melhoria operacional, qualidade de serviço e desempenho ambiental e encontra-se em apreciação ambiental pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA)”.

No ano que agora acabou, a ANA diz que “foram também projetados investimentos significativos para os outros aeroporto nacionais, alguns dos quais já em execução”.

‘Uma espécie de anedota’

Pedro Castro diz que tanto o decreto como aquilo que já é hoje conhecido sobre as obras a executar pela ANA-Vinci no aeroporto de Lisboa “confirmam aquilo que já sabemos: não era preciso a CTI (Comissão Técnica Independente) para isto”. Ou seja, “o aeroporto da Portela foi concessionado há 10 anos e é gerido por uma empresa profissional que concorre no mercado aeroportuário internacional. Esta empresa sabe exatamente o que fazer, quando fazer e como fazer para obter mais eficiência, maior rentabilidade e satisfazer de forma melhor os clientes – companhias aéreas e afins, passageiros e áreas comerciais”.

Neste aspeto, defende o especialista, “o relatório da CTI – talvez demasiado académico e politicamente dependente – será para a ANA-Vinci, uma espécie de anedota”, uma vez que a ANA “já sabe há anos o que é preciso fazer em Lisboa, mas o proprietário da infraestrutura – o Estado representado por este Governo e pela política pública que conduz para o setor – queria tudo menos provar que é possível expandir/melhorar/aumentar a Portela”.

Tal como já tinha dito algumas vezes ao nosso jornal, Pedro Castro reafirma que existia uma vontade política “muito grande em manter o atual aeroporto como ‘feio, porco e mau’ para sustentar a narrativa do novo aeroporto», adiantando que, perante este cenário, a ANA-Vinci «não podia fazer muito desde 2016”. Só que, defende, “o feitiço do Governo virou-se contra si mesmo» e «agora que entenderam que têm de recuperar o tempo perdido e com eleições à porta, não querem admitir a sua culpa e querem transferi-la para o privado”.

Face a esta opinião, Pedro Castro atira: “É um golpe político baixo e populista, sempre associado à vontade deste Governo em transformar o privado e a gestão privada num bode expiatório para tudo”. E adianta que, nesse aspeto, “a própria CTI prestou-se a um trabalho ignóbil de crítica à ANA-Vinci e que, mais uma vez, põe em causa a sua independência”.

Ainda assim, o especialista defende que, de um ponto de vista técnico, algumas das soluções em cima da mesa parecem-lhe “razoáveis”, destacando o alargamento da faixa de rodagem dos aviões (taxiway) e a multiplicação das saídas rápidas de pista. 

Já na questão da expansão do terminal, “parece-me relevante a sua futura separação física, como acontece em Madrid, Paris, Londres, Frankfurt, etc. O atual terminal 2 é apenas um ‘meio terminal’: usa os mesmos acessos rodoviários exteriores do terminal 1 e apenas serve para as partidas. As chegadas destes passageiros acontecem no terminal 1”, explica.

Por outro lado, o especialista defende ser necessário que a ANA-Vinci faça “um trabalho de fundo muito maior na captação de companhias para outros aeroportos nacionais”, uma vez que “existe uma percentagem elevada de passageiros que utilizam Lisboa para trocar de avião para chegar a outras regiões do país”.